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“Há uma troca de saberes alimentares muito grande na agroecologia”
Tone Cristiano tem os pés fincados na terra, mas a cabeça sonha alto. Na pequena terra de menos de 2 hectares, na comunidade Sítio Feijão, zona rural da cidade de Bom Jardim (PE), ele produz horticultura orgânica no sistema agroflorestal.
Filho de agricultor, com a ajuda da mãe e da esposa, conseguiu ampliar a lavoura familiar e passou a comercializar a produção excedente na feira de Bom Jardim e, aos sábados, na feira agroecológica de Setúbal, em Recife.
Técnico em agroecologia, Tone é coordenador da Associação dos Agricultores/as Agroecológicos de Bom Jardim (Agroflor), que integra a rede Articulação Semiárido Brasileiro (ASA).
Nesta semana, Tone participou da 6º Conferência Latino-americana de Agrocologia, em Brasília. Num intervalo entre as palestras, ele falou sobre sua experiência com a agroecologia. “Estamos ocupando um espaço. É um processo lento. A agroecologia não vai entrar na cabeça das pessoas da noite para o dia, sobretudo a ideia da soberania alimentar. Podem até tentar abafá-la, e conseguem por um tempo, mas ela nunca acabará”.
Tone sonha alto, com os pés firmes na terra.
Como surgiu a Agroflor?
A Agroflor começou a partir de uma assessoria do Centro de Desenvolvimento de Sabiá [organização que presta assessoria técnica agroecológica no estado de Pernambuco], em 1994. Em 1997, um grupo de 21 agricultores, que atuavam nessa atividade de assessoria resolveu fundar a Agroflor. Em princípio era de atuação apenas municipal, mas, com a chegada da execução dos projetos de implementação e captação, foi ampliada para todo o estado.
Quantas pessoas estão envolvidas com a associação?
Hoje todo o município está envolvido. Se a gente for colocar de forma direta, são 100 agricultores associados. Mas o trabalho se ramificou e atinge muito mais gente diretamente. Atuamos nas escolas, realizando palestras para as crianças, prestamos assessorias a crianças, através do projeto Mãos que Protegem, que é uma cooperação internacional. Só aí são 500 atendidas de forma direta em Bom Jardim.
Como é a participação das mulheres na associação?
Tivemos um avanço nos últimos anos no número de mulheres. Temos hoje um público fixo de 12 mulheres, mas são bem mais que estão se agregando e estão animadas. Além disso, as duas últimas coordenações da Agroflor tiveram a presença de mulheres.
Quais alimentos são produzidos pelos associados da Agroflor?
É uma diversidade. A gente já comercializou 170 variedades de produtos. A mandioca, por exemplo, você a tem in natura, mas uma vez que você a processa isso faz com que ela se torne mais de um produto. Queremos aumentar nossa produção no ramo de hortaliças e frutas.
Como são comercializados os produtos produzidos pelos agricultores?
São comercializados em maior quantidade nas feiras que fazem parte da Rede Agroecológica de Pernambuco. Hoje temos 18 famílias que comercializam, mas são 18 famílias que agregam os produtos das demais, ou seja, agrega dos vizinhos que estão dentro da Agroflor. Vendemos também para o PAA [Programa de Aquisição de Alimentos] e para o Pnae [Programa Nacional de Alimentação Escolar].
Como funciona a irrigação na produção dos associados da Agroflor?
Hoje ela [a irrigação] ainda está muito primária. Temos uma bomba em que se encaixa a mangueira e se irriga manualmente. Isso desperdiça muita água. A água vem do armazenamento em cisternas de placa e de pequenos barreiros, que são lâminas d’água pequenas, que chamamos também de cacimba. Não chega a ser aqueles grandes barreiros. No período de transição inverno-verão tem água em abundância para plantar, mas quando chega o verão nós temos que reduzir e optar por culturas que gastem menos água e que sejam de ciclo curto, como rúcula, nabo, alface, coentro e rabanete.
Que outras tecnologias sociais de captação de água são utilizadas?
Barragem subterrânea, barreiro trincheira e tanques de pedra. A ideia é que a gente consiga guardar mais água para termos uma grande diversidade de produtos que durem o ano inteiro.
Qual o impacto da agroecologia para a diminuição do êxodo rural?
Não temos isso em número. Mas posso garantir que sou uma prova viva disso. Principalmente em relação ao êxodo rural. Se não fosse esse trabalho da Agroflor no município e as outras entidades que a assessoram, como o Centro Sabiá, eu hoje não estaria dando esta entrevista e nem estaria no campo.
Muitas pessoas têm a ideia de que os produtos orgânicos não são muito acessíveis para uma grande parcela da sociedade, com menor poder aquisitivo. Como mudar isso?
Em geral, nossos alimentos são bem mais baratos. Se você for nas grandes redes de supermercado, inclusive meu estado de Pernambuco, o preço do tomatinho cereja, por exemplo, é mais barato na feira. Podemos mudar isso ainda mais, já que não temos custo com produtos químicos e pulverizadores. O grande desafio é passar a ideia para as pessoas que nós, por não usarmos agroquímicos ou coisas que forçam a produção, respeitamos o tempo da manga, da laranja. Daí as pessoas passam e veem que o pé de alface, por exemplo, custa apenas dois reais, e que o preço não oscila. Para alterar um preço ele tem de ir para assembleia. Trabalhamos para garantir que o preço não oscile por época. Para isso temos um preço máximo e mínimo na tabela. Há uma troca de experiências e saberes alimentares muito grande na agroecologia. Quanto mais as pessoas consumirem os produtos de forma agroecológica, mais agricultores teremos produzindo desta forma [agroecológica].
Como está o processo de ativação do Consea municipal?
Para nossa surpresa, com a ajuda de um professor, que já conhecia a Agroflor, nos foi levado essa proposta para lá, vendo que a agroecologia é uma forma de impulsionar isso. Faz dois meses que tentamos reativar o Consea municipal. Por isso acreditamos que já está com um bom avanço.
O que fazer para que a agroecologia avance ainda mais?
Estamos ocupando um espaço. É um processo lento. A agroecologia não vai entrar na cabeça das pessoas da noite para o dia, sobretudo a ideia da soberania alimentar. Então é isso que queremos colocar, pois se você faz as coisas de coração, se coloca a agroecologia e a segurança alimentar no coração e na mente das famílias, vai passar partido A, partido B, ou qualquer outra gestão, e isso vai sobreviver. Nosso projeto de vida é verdadeiro. Quando alguma coisa é verdadeira, ela não se acaba. Podem até tentar abafá-la, e conseguem por um tempo, mas ela nunca acabará.
Entrevista: Francicarlos Diniz e Nathan Victor (estagiário)
Fonte: Ascom/Consea