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Leonardo Boff, 70
Selvino Heck
Leonardo Boff (aliás, Genésio Darci Boff – naqueles tempos, quando se assumia a condição de frade, mudava-se o nome) está completando 70 anos domingo, 14 de dezembro. Márcia Miranda, sempre diligente, fez-me o comunicado, quase em segredo, convidando para um evento no Instituto Metodista Benett, RJ, quando do lançamento de Leituras Críticas sobre Leonardo Boff (Org. de Juarez Guimarães, Ed. UFMG e Fund. Perseu Abramo) e de Estudos Teológicos – A Teologia de Leonardo Boff (ano 48, nº 2, 2008), em sua homenagem. Antes da data, porém, o próprio aniversariante e homenageado tornou pública a sua condição de ‘Oficialmente velho’, em belo texto sobre sua vida, seus desejos e o futuro.
Encontramo-nos em novembro no Seminário dos 15 anos do COEP, Comitê de Entidades no Combate à Fome e pela Vida – 15 anos de mobilização social na luta contra a fome e a pobreza, no Rio de Janeiro. Sentamos lado a lado no auditório, almoçamos junto, conversamos longamente. Perguntei-lhe sobre a saúde (ele tem andado seguidamente com problemas), me disse que precisava cuidar-se mais, fazer mais exercícios, que faria a partir dos setenta que estavam chegando. Eu disse-lhe que comprara uma bicicleta, parada em casa, sem uso. Disse-me também ter uma, igualmente parada.
Daí a conversa enveredou para a vida e o mundo, cada pouco interrompida por pessoas que queriam um autógrafo ou tirar uma foto: a recente eleição de Obama e tudo que ela representava (Leonardo acabara de escrever um artigo falando de sua expectativa e esperança a partir das mudanças nos EUA), dos perigos com as mudanças climáticas (agora tão presentes na sua Santa Catarina de nascimento), do Movimento Fé e Política (acabáramos de fazer uma reunião em Ipatinga, MG, preparando o próximo Encontro nacional, em 28/29 de novembro de 2009, com o tema CUIDAR DA VIDA: ECONOMIA, ECOLOGIA, ESPIRITUALIDADE , onde ele deverá ser um dos palestrantes), do governo Lula, de suas/nossas preocupações com os rumos do PT, notícias de amigos comuns e companheiros como Frei Betto, Gilberto Carvalho e a saúde do Irmão Antônio Cechin.
A primeira lembrança que tenho de Leonardo Boff é quando da publicação de seu livro Jesus Cristo Libertador, eu então franciscano como ele e estudante de Teologia na PUCRS, em Porto Alegre. O livro causou impacto em nós jovens estudantes, como uma lufada de ventos e pensamentos novos, naqueles tempos em que a Teologia da Libertação estava em seus inícios e Leonardo começava a tornar-se referência. Ainda nos anos setenta, eu já expulso da PUCRS por causa destas idéias de mudança e libertação, vejo-o e ouço-o pela primeira vez numa palestra, salão cheio, proferida na mesma Universidade.
Conhecemo-nos, se bem me lembro, na segunda metade dos anos oitenta, quando, com muitos outros e outras, fundamos o Movimento Fé e Política, e aconteciam seguidos encontros, reuniões e seminários no circuito Rio São Paulo, ele teólogo conhecido e reconhecido no mundo, assessor requisitado pelos movimentos populares, pelas pastorais sociais e já sofrendo as conseqüências de sua reflexão teológica por parte do Vaticano e da hierarquia da Igreja católica. Em 1992, creio, numa Casa de Formação na zona sul de São Paulo, quando o ‘tiroteio’ por ele sofrido era muito intenso e estava no auge, lembro de uma longa conversa, à mesa do refeitório, ele dizendo de suas dúvidas, de suas angústias, sem saber o que fazer.
Mas não são essas lembranças pessoais as que realmente interessam. Falar de Leonardo Boff, quando ele chega aos setenta, é falar de suas obras significativas, como Jesus Cristo Libertador, como Igreja, Carisma e Poder (a que lhe valeu o tacão da autoridade),a Águia e a Galinha, Feminino e Masculino e Feminino, Mística e Espiritualidade, tantas e tantas outras; de sua influência em milhares e milhões de pessoas, militantes, religiosos/as, lutadores/as, que buscam no dia a dia ligar a fé à vida das CEBS, da Pastoral Operária, da Pastoral da Terra, do CIMI, da Pastoral da Juventude; de seu amor e compromisso franciscano aos pobres e trabalhadores e seu apoio declarado ao MST, com presença em acampamentos e participação em marchas como uma realizada no Rio Grande do Sul e uma belíssima foto sua, de chapéu, segurando uma criança no colo; de sua inspiração e influência como um dos grandes nomes da Teologia da Libertação; das perseguições sofridas, que nos doem a todos que partilhamos de suas idéias e reflexões e somos da mesma Santa Madre, como se fôssemos nós os injustamente perseguidos; de suas preocupações ecológicas antes que os desastres ambientais eclodissem todos os dias ao nosso lado, hoje transformadas em seus escritos e palavras em gritos e súplicas ao mundo e aos governantes; de seu apoio e acompanhamento permanente ao Partido dos Trabalhadores e de Lula, sua grande liderança, inclusive hoje quando ele está na Presidência da República; de sua presença e solidariedade com os processos de libertação latino-americanos, Cuba à frente, depois Nicarágua, hoje em diferentes países, e mais recentemente no Paraguai, com seu apoio público ao hoje presidente bispo Fernando Lugo .
Leonardo Boff, para uma geração inteira, e seguramente para as próximas gerações, é e continuará sendo um sinal de esperança, de busca da vida, do Mistério se transformando em oração e prática de justiça, de resistência às opressões e ao ‘silêncio obsequioso’ de uma Igreja perseguidora que, hipocritamente, diz-se a favor da liberdade a partir de Jesus, de compromisso com os mais pobres entre os pobres, de reflexão teológica encarnada na realidade.
A vida de Leonardo, aos setenta, está apenas começando, ainda que ele possa declarar-se ‘oficialmente velho’. Podemos aplicar-lhe a frase que serve de epitáfio de seu pai, sua principal referência de vida: “Quem não serve para servir ao povo, não serve para viver”.
Leonardo é isso. Por isso, orgulhamo-nos deus seus setenta. E lhe dizemos, brindando: Longa vida. Ou como diria Olívio Dutra, seu amigo: Boa luta, companheiro!
Selvino Heck é Assessor Especial do Presidente da República