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A crise e o Dia Mundial da Alimentação
O Dia Mundial da Alimentação deste ano chega num momento em que duas crises sistêmicas assombram o mundo: uma é a crise do sistema financeiro internacional; a outra é a crise do sistema agroalimentar, sobre a qual trata este pequeno artigo.
A crise alimentar mundial é bastante séria e não se pode ignorá-la. Trata-se de uma crise sistêmica, com múltiplos fatores: o crescimento da demanda, com o aumento do poder de compra dos mais pobres; o uso do milho para a produção de etanol; o aumento do preço do petróleo; as quebras de safra e os baixos níveis de estoques, entre outras causas.
Embora não esteja imune à crise, o Brasil tem alguns instrumentos de proteção que têm permitido atenuar grandes impactos – pelo menos até agora. Somos um grande produtor e exportador de alimentos. Além disso, temos programas dirigidos à agricultura familiar e ações e iniciativas de segurança alimentar.
A crise está longe de ser um mero problema entre demanda e oferta. É o modelo que está em xeque, o modelo de liberalização, de comércio. Os países, entre eles o Brasil, há algum tempo abriram mão de instrumentos de regulação. Com isso, os governos hoje se vêem impotentes e despreparados para o enfrentamento de crises como essa.
Os países precisam recuperar a capacidade de regular os mercados de alimentos (e agora, com a explosão da crise na economia mundial, vê-se que a falta que faz a regulação de mercados, inclusive o financeiro). É preciso ter um mínimo de estoques, coisa que o Brasil, por exemplo, deixou de formar desde os anos 90, a partir da liberalização plena, sem regulação estatal.
Causou polêmica, recentemente, a decisão (acertada, diga-se) do governo de monitorar a exportação de arroz, para evitar o desabastecimento interno. O País não pode se render a uma visão estritamente negocista, meramente comercial da questão alimentar, pois o abastecimento alimentar está no coração da existência de um país.
Nosso país já teve, por exemplo, uma boa estrutura de entrepostos de abastecimento, que hoje está ou privatizada ou perdeu as suas funções originais. Os entrepostos, as antigas Ceasas viraram imobiliárias, não passam de imobiliárias que alugam estandes para comerciantes, permissionários, ou seja, perderam o papel de monitoramento de fluxos, de acompanhamento de preços, qualidade etc.
O País tem que se orientar por uma perspectiva de aproximação produção-consumo. Um dos componentes desse modelo que está falindo é esse modelo internacional globalizado, em que os alimentos ficam viajando para todo lado. Isso custa petróleo, isso implica em modelo de produção muito intenso em tecnologia, implica em elevada transformação de bens.
Nossa perspectiva de segurança alimentar e nutricional, de soberania alimentar, de direito humano à alimentação é valorizar circuitos regionais de produção, distribuição e consumo. Quando se faz isso, se valoriza a agricultura familiar, de base agroecológica, se valoriza o pequeno e médio varejo, se valoriza a diversidade de hábitos e tudo isso reduz custos na hora da comercialização. Não existe atividade econômica desregulada, alguém tem que regular. Se não há uma regulação estatal, a lógica privada regula.
Que o Dia Mundial da Alimentação – que é um chamamento à reflexão sobre essa temática em todo o mundo - coloque essas e outras questões na agenda de prioridades dos governos, no centro das atenções da sociedade civil e na pauta de cobertura dos veículos de comunicação.
Renato S. Maluf é economista, professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional