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Agricultura Familiar Brasileira Desafios e Perspectivas do Futuro
Agricultura Familiar Brasileira Desafios e Perspectivas do Futuro - arquivo PDF
APRESENTAÇÃO
A Agricultura Brasileira se destaca entre as maiores do mundo e representa uma fonte de
alimentos e de matéria prima para muitos países. Nela estão presentes diversos modos de fazer
Agricultura, entre os quais a produção Agrícola Familiar, encontrada em extensas e importantes
regiões do país. A agricultura familiar no Brasil é crescentemente uma forma social de produção
reconhecida pela sociedade brasileira, por suas contribuições materiais e imateriais. Às diversas
expressões de sua organização social, às quais correspondem múltiplos discursos identitários
e demandas sociais, somaram-se, nas últimas décadas, o grande esforço de pesquisa da
comunidade acadêmica, ao desvendar a extensão e a profundidade de sua presença no mundo
rural, e a convergência de políticas públicas de apoio à sua reprodução.
Diante disso, um grupo de pesquisadores, estudiosos da agricultura familiar, reunidos
em Belém (Pará), durante o 51º Congresso da SOBER (Sociedade Brasileira de Economia,
Administração e Sociologia Rural), em 2013, propôs a organização de um espaço de reflexão
coletiva sobre a Agricultura Familiar Brasileira para o ano de 2014, visto que este foi
considerado o Ano Internacional da Agricultura Familiar, por decisão da Assembleia Geral das
Nações Unidas, em reconhecimento à contribuição deste importante setor da agricultura, para a
Segurança Alimentar e para a erradicação da pobreza no mundo.
Como o Brasil se associou às comemorações deste Ano Internacional, com o objetivo
de registrar e comemorar os avanços alcançados, que se traduziram em conquistas expressivas
nos campos econômicos, sociais, políticos e culturais, além de refletir sobre os desafios
a serem enfrentados, foi junto à Secretaria de Agricultura Familiar (SAF) do Ministério do
Desenvolvimento Agrário (MDA) que se conseguiu viabilizar a realização de um Seminário
Nacional sobre Agricultura Familiar.
Este Seminário teve como objetivo discutir os vários aspectos que condicionam e
caracterizam a complexa realidade deste setor no Brasil, incluindo um balanço das políticas
públicas a ele destinadas, bem como uma contribuição ao debate nacional e internacional sobre
esta categoria social e política. Assim, a ideia se constitui em um esforço coletivo para se pensar
os avanços e desafios atuais desta agricultura, tanto em relação à sua articulação com o conjunto
do setor agrícola brasileiro, como o cenário e as perspectivas de futuro.
Num primeiro momento, foi importante situar a agricultura brasileira em seu contexto
histórico, social e econômico, destacando a ocupação e utilização da terra como meio produtivo
fundamental. Para isso, seria preciso entender tanto a evolução das relações patrimoniais,
como os mecanismos de apropriação da renda fundiária, em um momento em que aumenta
significativamente a especialização do Brasil como produtor de commodities de origem agrária.
Assim também, foi necessário retomar alguns debates da economia política para compreender
a inserção de determinados segmentos no novo padrão dos mercados agroalimentares.
Entre outras demandas, o Seminário tentou atender uma, que não é de hoje, e que se
dirige ao esforço de discutir o próprio conceito de Agricultura Familiar. Se, por um lado, pode
ser registrado como um avanço o reconhecimento dessa agricultura pelo Estado, através de 10
Lei Nº 11.326, por outro, esta categoria genérica acabou ameaçando a visibilidade de outras
identidades e sujeitos sociais no campo, tais como: assalariados rurais, quilombolas, indígenas,
pescadores artesanais, dentre outros; que, no entanto, vêm lutando e conseguindo demarcar
suas existências. Assim, se a noção de Agricultura Familiar serviu para aglutinar e fortalecer
este setor da agricultura, até então não reconhecido, cabe indagar até que ponto ela encobre
heterogeneidades que estão emergindo em face de novos conflitos socioambientais que afloram
no meio rural brasileiro.
Desde logo, ao examinar a complexidade da Agricultura Familiar no Brasil parece
importante colocá-la no contexto de interesses conflitantes e projetos em disputa. Deste modo,
pretendeu-se analisar, em profundidade, a natureza dessa disputa expressa nos diferentes
projetos e desenvolvimento.
Entre os aspectos marcantes da Agricultura Familiar brasileira estão as formas invisíveis de
trabalho e a produção do que se pode chamar de “riqueza invisível”. Omissa nos compêndios de
Economia, a família como instituição estratégica do meio rural é a responsável pela reprodução
dos atores do desenvolvimento rural: tanto a mão de obra qualificada, como trabalhadores
sem qualificação, migrantes e trabalhadores sazonais em todas as regiões do país. De fato,
é dentro da unidade doméstica que se concentra o esforço reprodutivo no qual participam,
fundamentalmente, as mulheres, as crianças e os idosos.
Mas, para falar de Agricultura Familiar no Brasil é preciso falar também do protagonismo
social e político deste segmento. Os movimentos e as organizações sociais da Agricultura
Familiar têm sido atores importantes do processo de construção da pauta da Reforma Agrária e
das políticas públicas no Brasil. Ao lado de iniciativa do Estado e da academia, os movimentos
sociais desempenharam um papel fundamental na definição da Agricultura Familiar como
um modelo de agricultura, como categoria agregadora de direitos e como identidade política
unificadora de uma diversidade de unidades familiares no campo. Entre os movimentos,
merecem destaque as lutas das mulheres rurais por acesso aos direitos e pela construção de
espaços de autonomia. Além disso, torna-se importante registrar questões como a saída dos
mais jovens do campo, tendencialmente definitiva, as migrações sazonais e ou pendulares, que
se apresentam como desafios, tanto na avaliação da dinâmica da própria Agricultura Familiar
quanto na formulação de políticas públicas para o setor.
Historicamente, até a década de 90, a Agricultura Familiar brasileira não havia conhecido
ainda um conjunto tão amplo de instrumentos de políticas públicas voltados para a proteção e o
desenvolvimento desta categoria social. Faz-se necessário, portanto, um balanço dos resultados
obtidos e das perspectivas futuras. Com base em um balanço desse conjunto de políticas e
programas, o Seminário pretende identificar avanços e gargalos, apontar para desafios futuros,
sobretudo considerando as peculiaridades locais e regionais.
As políticas públicas do Estado brasileiro têm, em certa medida, refletido essa
multiplicidade, mas os efeitos e eficácia delas têm sido bastante desigual para os diversos
segmentos de produtores. Nesse contexto, a unidade de produção familiar, que é em si um
segmento bastante diversificado internamente, se destaca não apenas pela sua diversificação,
mas pela sua capacidade de unificar a produção para o mercado com estratégias de reprodução
familiar e de vida cultural e comunitária. Novas abordagens e alternativas do desenvolvimento rural têm surgido no campo da
Agricultura Familiar. Tanto fomentadas por organizações representativas da sociedade civil,
como por associações de base, têm-se desenvolvido experiências e processos de produção de
consumos alternativos, na busca da sustentabilidade e de condições econômicas solidárias e
participativas. Em foco estão questões relevantes, como da segurança e soberania alimentar e
da agroecologia.
Com este leque de questões, o Seminário foi organizado com seis Mesas Redondas, cada
uma delas com três ou quatro apresentadores e um moderador/debatedor. A temática de cada
Mesa encontra-se no início de cada uma das seis seções que compõe este livro. Importante
destacar que, juntamente com a ideia do Seminário, foi encaminhada ao NEAD/MDA uma
proposta de publicação que, após muitas idas e vindas, está agora vindo a público.
Neste interim, o Professor Valmir Luiz Stropasolas, que havia participado do Seminário
como apresentador na Mesa IV, socializou com os participantes um relato sobre as discussões
do Seminário, o qual havia se encarregado de fazê-lo. Este relato passou a compor a sétima
parte do livro fazendo as vezes de um Posfácio.
Antes de finalizar esta apresentação, registra-se aqui inúmeros agradecimentos àqueles
que acreditaram nesta proposta e que deram sua valiosa colaboração para que esta se tornasse
realidade.
Ao pessoal da SAF, DATER e NEAD do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA)
pelo apoio respectivamente na realização do Seminário e na publicação deste livro.
Ao colega Edgard Malagodi que, num primeiro momento, tomou a frente esta empreitada
fazendo com que o Seminário acontecesse. E também, àqueles colegas que atenderam ao
nosso pedido para atuarem como moderador/debatedor, em especial, Vera Lucia Botta Ferrante
(UNESP-Araraquara), Ramonildes Alves Gomes (UFCG), Maristela Simões do Carmo
(UNESP-Botucatu), Otávio Balsadi (EMBRAPA), Cláudia Schmidt (UFRRJ) e Dalva Maria
da Mota (EMBRAPA).
Às doutorandas da FEAGRI/UNICAMP, Danitielle Cineli Simonato, a Marina de Sá
Costa Lima e a Néllyan Lima Gusmão Oliveira, que em diversos momentos se envolveram na
realização deste livro, os nossos agradecimentos.