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Especialistas reconhecem avanço na lei para liberar produtos artesanais e ressaltam desafios

publicado: 29/05/2018 18h46, última modificação: 29/05/2018 18h56
Especialistas defendem participação mais ampla – tanto intersetorial e multidisciplinar, quanto dos produtores e consumidores – na construção da regulamentação da lei. Imagem: Victor Moura/Consea

Especialistas defendem participação mais ampla – tanto intersetorial e multidisciplinar, quanto dos produtores e consumidores – na construção da regulamentação da lei. Imagem: Victor Moura/Consea

Integrantes de entidades que participam do grupo de trabalho da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que discute inclusão produtiva com segurança sanitária divulgaram nota, nesta segunda-feira (28), em que reconhecem como um avanço na elaboração de uma lei específica para a produção de alimentos artesanais, mas apontam várias incertezas  no projeto de lei  aprovação pelo Senado, na última semana. O projeto altera a Lei da Inspeção Industrial e Sanitária - Riispoa (Lei 1.283 de 1950), a fim de descentralizar a fiscalização da produção alimentícia artesanal e autorizar a comercialização interestadual

Essa mudança, caso seja  sancionada pela presidência da República, permitirá a comercialização interestadual de produtos alimentícios “artesanais” de origem animal, desde que sejam submetidos à fiscalização de órgão de saúde dos estados ou municípios. Além disso, cria um selo de identificação denominado Arte (que ainda precisará de regulamentação posterior), determina que o registro seja simplificado e que a fiscalização seja prioritariamente orientadora.

“Apesar da necessidade de um novo marco legal para produtos artesanais e da agricultura familiar, que não seguem os mesmos princípios de transformação das indústrias, esse modelo de ‘colcha de retalho’ no sistema regulatório, que altera a lei por pedaços, criando novas instâncias sem discutir o todo, o torna mais complexo e não traz em si nenhuma segurança de que seja voltado àqueles que realmente necessitam do amparo da lei”, afirmou em nota Rodrigo Noleto, coordenador do Programa Amazônia no Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), coordenador da Rede Cerrado.

O texto é assinado também por Rosângela Cintrão, pesquisadora autônoma, vinculada ao Centro de Referência em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Ceresan), do Programa de Pós Graduação em Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade (CPDA), da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).

Para os autores, o grande desafio é garantir uma participação mais ampla – tanto intersetorial e multidisciplinar, quanto dos produtores e consumidores – na construção da regulamentação  dessa lei.  “Como garantir, na construção da regulamentação, uma perspectiva da segurança e soberania alimentar que, de fato, fortaleça os circuitos curtos de produção e consumo, mais diversificados, assim como o consumo de alimentos menos processados e inseridos nas culturas alimentares locais?”, questionam Rodrigo e Rosângela.

Memória do assunto

Para facilitar o entendimento do PLC 16/2018, aprovado pelo Senado Federal na semana passada, o texto divulgado pelos especialistas do INSPN e da Ceresan traz um breve resgate histórico da Lei 1.283 de 1950, que estabeleceu, naquela década, a obrigatoriedade de prévia fiscalização de todos os produtos de origem animal.

“A Lei de 1950 foi o artifício usado na época para o estabelecimento de normas rígidas para a ‘nascente’ agroindustrialização brasileira – que se voltava à indústria de alimentos para exportação. Com isso, o setor de alimentos brasileiro foi dividido em dois, onde apenas aqueles que eram capazes de atender às exigências da ‘lei’ [principalmente os grandes, destinados à exportação] se tornaram visíveis aos órgãos reguladores. E os outros, que ficaram ‘fora da lei’. Os demais empreendimentos, ou seja, parte significativa da produção interna, de um setor baseado em relações de confiança entre produtor e consumidor, cuja escala e utilização de técnicas tradicionais de produção e beneficiamento diminuíam os riscos associados à saúde, se tornaram invisíveis ao sistema”.

Desde então, destacam Rosângela e Rodrigo, imperou absoluto no Brasil o Regulamento de Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal (Riispoa), criado por meio do Decreto 30.691 de 29 de março de 1952, com os seus 952 artigos, que forçava os estabelecimentos ao atendimento às regras voltadas à grande indústria e sujeitava a um processo de fiscalização extremamente rigoroso e punitivo aos menos favorecidos.

“Esse período durou exatos 65 anos, durante o qual muito pouco foi alterado na visão ultrassanitarista do setor regulador e da relação umbilical entre a indústria e os legisladores brasileiros”, afirmam.

Modernização do Riispoa

Em 2015, o Decreto 8.471 estabeleceu, pela primeira vez, que o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) poderia classificar o estabelecimento agroindustrial de bebidas ou de produtos de origem animal como agroindústria artesanal, considerados os costumes, os hábitos e os conhecimentos tradicionais na perspectiva da valorização da diversidade alimentar e do multiculturalismo dos povos, comunidades tradicionais e agricultores familiares.

“Os atos normativos que sucederam esse decreto foram fundamentais para o processo de revisão do Decreto de 1952 (Riispoa). Porém, é importante deixar claro que apesar dos avanços verificados, a legislação sanitária ainda não foi devidamente orientada para atender à demanda da agricultura familiar de processos não industriais”, acrescentam os pesquisadores.

Em 29 de março de 2017, o Decreto 9.013 (novo Riispoa) foi sancionado, trazendo um novo olhar para a Lei de 1950. Significativos avanços puderam ser constatados, com a inclusão da expressão “estabelecimentos de pequeno ´porte’, termo que no entanto ainda carece de regulamentação em normas complementares, mas que significa um reconhecimento da necessidade de um tratamento diferenciado.

Voltando ao PLC 16/2018, aprovado agora pelo Senado, Rosângela Cintrão e Rodrigo Noleto explicam que ele afeta outra questão associada ao “arcabouço legal enviesado”, estruturado ao longo de décadas, mas que minimamente orientava o setor, inclusive os agentes de fiscalização sanitária.

“Trata-se da dificuldade de elaboração de uma nova regulamentação de maneira imediata, pois o texto da lei autoriza a comercialização [de um produto] em todo território nacional, desde que seja classificado como artesanal. Porém, a lei não traz qualquer definição do que seria artesanal, nem quais seriam seus limites, como escala, renda, formas de produção e origem”.

* a nota não apresenta, necessariamente, a visão das instituições em que atuam os autores do texto.

Fonte: Ascom/Consea