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Entidades que venceram a guerra do tabaco pedem fim de anúncios de comida processada
Quem um dia assistiu as suntuosas propagandas de cigarros veiculadas no Brasil até os anos 1990 jamais imaginaria ser possível impedir os canais de televisão e outras mídias de faturarem bilhões com essa indústria. Estavam enganados. Em 2000, a publicidade de cigarros e dos derivados de fumo foi proibida em todos os meios de comunicação brasileiros. Uma lei delimitou a divulgação dos produtos apenas aos locais de venda e vetou associar a prática a atividades esportivas.
Em dezembro de 2014, entrou em vigor a Lei 12.546/2011 proibindo definitivamente o fumo em ambientes fechados. Por trás destas impressionantes vitórias estavam representantes do setor público e de entidades civis, como a Aliança de Controle do Tabagismo (ATC). “Diferentemente de outras nações, como Estados Unidos, houve um grande engajamento do setor público brasileiro nessa luta”, conta a socióloga Paula Johns, co-fundadora da entidade, mestre em Estudos de Desenvolvimento Internacional pela Universidade de Roskilde (Dinamarca) e ativista da causa.
“Agora, queremos repetir o mesmo processo para proibir a publicidade de comida processada primeiramente, para crianças até 12 anos, na televisão e outras mídias. Com esse objetivo, várias entidades se reuniram para formar a Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável,” afirma Paula.
Comida viciante e epidemia
A socióloga lembra que TV, rádio e internet estão lotados de propaganda de comida, grande parte destinada a atrair a atenção das crianças. Não haveria problema, caso fossem produtos saudáveis, mas não são. Dados mostram que a publicidade está centrada em alimentos processados, industrializados, diz ela. Esse tipo de comida foi considerado “quase viciante” pela Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), em alerta divulgado em 2015.
Para a Opas, tais produtos estão substituindo alimentos frescos e são os maiores responsáveis pela atual "epidemia de obesidade" na América Latina. Paula Johns e seus colegas consideram que a epidemia deve ser tratada com o mesmo rigor dispensado ao fumo. Por isso, a meta do grupo é banir totalmente a publicidade de alimentos processados dos meios de comunicação. “Hoje, a incidência de doenças crônicas não transmissíveis na população superou o nível das infecções. Chegam a causar mais de 70% das mortes no mundo. Precisamos agir”, conclama a ativista.
Em 2011, preocupada, a Organização das Nações Unidas resolveu pautar uma reunião de alto nível em Nova Iorque sobre o impacto do tema na saúde pública. O Brasil participou e adotou, em seguida, um plano de governo para o enfrentamento da nova realidade. “Foi um marco. Começamos ali a ampliar o escopo de atuação da ACT para combater, além do tabagismo, também o álcool, o sedentarismo e a alimentação inadequada – os quatro fatores de risco para doenças crônicas não-transmissíveis”.
Quem ganha e quem perde com a obesidade
À primeira vista, todos perdem com a epidemia de obesidade. A sociedade, os governos, a saúde pública. Mas alguns ganham. Por isso, Paula Johns defende que proibir a propaganda para crianças até 12 anos é só o primeiro passo. “Um marco civilizatório”, como ela diz. É preciso avançar até a proibição de alimentação inadequada em ambientes públicos e privados, da mesma forma como ocorreu com o fumo. “Em todos os fóruns, nacionais e internacionais, o tabaco acaba sendo uma referência importante, como modelo”, afirma.
O modelo continua em destaque porque reconhece a importância da regulação. “Além disso, identifica um ator social de grande peso por trás do consumo desses produtos: a indústria. Ninguém nasce fumando. E reconhece o quanto esse ator social tem responsabilidade por introduzir a epidemia atual na sociedade, com suas estratégias de marketing, de publicidade, da banalização de produtos que causam uma dependência enorme. Tanto no caso do fumo, quanto do álcool e da comida processada”, enfatiza a socióloga.
Principais medidas propostas
A partir desse momento, o grupo da Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável estreitou o diálogo com pesquisadores do Instituto Nacional do Câncer (Inca), já um grande aliado da ATC desde a guerra contra o tabaco. “Foi aí que ficou claro, para nós, que as práticas do ator que comercializa esses produtos, da indústria, eram as mesmas. É ela a maior ganhadora em tudo isso. Portanto, ficou claro também que as principais medidas contra o fumo são perfeitamente aplicáveis aos outros fatores de risco para as doenças crônicas não-transmissíveis”.
Em resumo, diz Paula, as regras necessárias são: a) uma rotulagem mais clara (já adotada no caso do tabaco); b) colocação frontal dos rótulos; c) medidas fiscais, como aumento de preço e impostos, tornando os produtos menos saudáveis mais caros; d) regulação do marketing publicidade, que devem ser totalmente proibidos, já que é muito difícil delimitar uma publicidade de comida para adultos e para crianças; e) e a questão da definição ambientes livres de comida inadequada, como escolas, ambientes institucionais e outros locais públicos.
“Já existem bons precedentes nessa questão do ambiente, como foi o caso de disciplinar locais onde não se pode fumar. O próprio Ministério da Saúde já adotou uma portaria que proíbe a venda de alimentos processados em suas dependências. Nossa meta agora é preservar o ambiente escolar, que entendemos como ambiente de proteção das crianças e adolescentes do assédio do marketing e da venda destes produtos nocivos. Estamos confiantes de que, com o apoio de toda a sociedade, essa luta será vitoriosa”.
Fonte: Ivana Diniz Machado/Consea