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Rede Mobilizadores entrevista presidente do Consea-SC

publicado: 26/09/2013 12h05, última modificação: 18/09/2017 11h22

Em entrevista concedida à Rede Mobilizadores, Marcos José de Abreu, engenheiro agrônomo do Centro de Estudos e Promoção da Agricultura de Grupo (Cepagro) e presidente do Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional de Santa Catarina (Consea-SC), fala sobre agricultura urbana e seus benefícios para o país, as cidades e as populações, em especial as de menor renda. Ele fala que a atividade deve ser regulamentada, subsidiada e contemplada pelas políticas públicas e, em especial, pelos planos diretores das cidades. Veja trechos da entrevista.

O que caracteriza a agricultura urbana? Qual sua importância para a segurança alimentar das populações de baixa renda?

A agricultura urbana é caracterizada principalmente por ser uma prática agrícola nas cidades, porém esta é uma descrição rasa, tendo em vista a ampla dimensão da atividade. É sempre difícil caracterizar e apresentar as tipologias de agriculturas urbanas; mesmo assim podemos arriscar que ela é praticada por pessoas, individualmente, em suas residências, quintais, lajes, terraços, telhados, lotes, chácaras, sítios, terrenos baldios, laterais de estradas, ruas e áreas publicas ociosas. E também pode ser praticada, coletivamente, em escolas, creches, asilos, centros de saúde, associações, enfim instituições públicas ou privadas. Há ainda a agricultura urbana comunitária, que pode acontecer de forma institucionalizada, com apoio de ONGs e do poder público, ou espontânea, a partir dos recursos próprios do grupo. Nestes espaços e com estas estruturas organizativas, se produzem alimentos, plantas bioativas [aquelas que possuem alguma ação sobre outros seres vivos, como ervas medicinais, aromáticas, condimentares, inseticidas, repelentes], e ornamentais. Temos hortaliças, verduras, legumes, plantas medicinais, flores, arranjos, mudas, frutíferas, brotos, plantas nativas, exóticas, enfim, toda a diversidade que temos na agricultura. Diante disso, podemos afirmar que a agricultura urbana contribui para a segurança alimentar e nutricional (SAN) dos povos, especialmente das populações de baixa renda. Através da agricultura urbana estas famílias podem produzir alimento fresco, ao lado de suas residências, de maneira segura, e suprir necessidades alimentares. No entanto, para isto acontecer, é necessário que a agricultura urbana conte com políticas públicas consolidadas para subsidiar famílias empobrecidas na implantação de seus projetos. Devemos também salientar que a agricultura urbana não somente contribui para a SAN das famílias e pessoas praticantes, mas também é um forte elemento para a qualidade de vida, pois tem um potencial terapêutico, de manutenção das tradições e raízes rurais nas cidades, além de refletir histórias de vida relacionadas à prática. Com este tipo de agricultura, as cidades podem tornar-se espaços mais humanos, agradáveis e próximos ao ritmo da natureza.

Quais os locais mais adequados nas cidades para o desenvolvimento da agricultura urbana?

A agricultura urbana pode ser praticada nos locais mais diversos possíveis, conforme descrevi anteriormente. Pode ser no espaço que tiver disponível, ou onde haja interesse, subsídios e insumos necessários. Neste caso, os insumos são terra boa [com matéria orgânica], mudas, sementes, sol e disponibilidade de água. Na agricultura urbana é comum encontrarmos as mais diversas estratégias para conseguirmos estes insumos. Um exemplo é a reutilização de materiais como potes, vasos e louças, como canteiros; a transformação dos resíduos orgânicos urbanos através da compostagem para aquisição de adubo orgânico; a utilização da água do telhado; e o melhor aproveitamento da luz do sol. A adoção de práticas de agricultura urbana individual, coletiva ou comunitária depende muito do contexto em que as iniciativas começam a ser desenvolvidas, pois elas podem surgir devido ao apoio de ONGs ou do poder público, de interesses individuais ou privados; em alguns casos são práticas tradicionais numa cidade; em outras, o espaço surge rural e acaba sendo transformado em urbano; em outros ainda, a iniciativa surge a partir da busca pelo direito à cidade ou em decorrência de movimentos organizados coletivamente.

As práticas de agricultura urbana costumam adotar os princípios da agroecologia, ou seja, o cultivo sem agrotóxico, o consórcio de espécies etc?

Pelo fato de tentar aproveitar os recursos disponíveis na cidade, podemos dizer que grande parte das práticas de agricultura urbana costuma adotar princípios da agroecologia, especialmente a adubação orgânica, o controle de pragas e doenças, o policultivo, as agroflorestas, e a manutenção da biodiversidade através de sementes tradicionais. Esta última é clássica, pois há pessoas praticando agricultura urbana motivadas pela tentativa de multiplicar sementes que vinham sendo cultivadas há gerações por seus familiares. Muitas vezes, estas pessoas vêm para as cidades e fazem questão de manter as sementes vivas e prosperando. Mas também devemos ter clareza de que nem todas as práticas de agricultura urbana são agroecológicas. Existem casos em que os praticantes de utilizam agrotóxicos e adubos químicos. Devido à ausência de políticas públicas e à falta de visão dos gestores públicos com relação a esta prática, pouco se avança na sua qualificação. Além disso, temos dados que mostram que as cidades são grandes consumidoras de agrotóxicos, especialmente os herbicidas, pois as pessoas os utilizam para “limpar” quintais e terreno baldios, e empresas e estruturas públicas, especialmente, os adotam para manutenção de vias, parques e canteiros nas cidades. Isto é um grande problema!

De que forma a agricultura urbana pode fortalecer uma comunidade? É possível gerar renda com as hortas comunitárias?

Com certeza a atividade pode gerar renda. Além disso, a agricultura urbana contribui para a diminuição dos gastos com a alimentação familiar, além de possibilitar o acesso a uma maior diversidade de alimentos frescos. Outro fato a considerar é que os alimentos que chegam às cidades às vezes percorrem centenas de quilômetros, sendo oferecidos ao consumo com baixa qualidade e aparência ruim. A agricultura urbana pode contribuir para que os alimentos frescos estejam bem próximos do consumidor, aumentando sua qualidade e diminuindo os custos de logística e transporte. Por estes fatores, podemos concluir que a produção de alimentos nas cidades tem um grande potencial de geração de renda e/ou economia.

A agricultura urbana pode ser um instrumento para o desenvolvimento sustentável das cidades?

A agricultura urbana é um poderoso instrumento para o desenvolvimento sustentável das cidades com certeza! Costumo dizer que a agricultura urbana é uma prática “invisibilizada”, isto é, ela acontece, muitas pessoas, grupos e instituições a praticam, porém ela nunca aparece nos planos de desenvolvimento das cidades, não existem políticas públicas que a incluem, não é subsidiada, não é regulamentada, não está na pauta das discussões dos planos para a cidade. Isto faz com que esta prática fique marginalizada, vulnerável e desprotegida. Mesmo assim as pessoas a praticam e apresentam suas experiências como uma alternativa para melhorar a relação com o ambiente urbano, como forma de gerar renda e trabalho, de se atingir segurança alimentar e nutricional, de manter as pessoas ocupadas de maneira saudável nas cidades, como estratégia da manutenção de uma cultura agrária, e de desenvolver relações comunitárias mais sólidas. A agricultura urbana deve ser considerada nos planos diretores das cidades, nas discussões de uso dos solos e das áreas, no traçado de corredores ecológicos, nos critérios de instalações de empreendimentos, na construção de casas populares e rodovias, nos planos de gestão de resíduos, nos programas de saúde e educação, nas estratégias de ampliação de trabalho e renda nas cidades e, especialmente, nos programas de segurança alimentar e nutricional. Tudo isto porque esta agricultura contribui para aumentar a infiltração da água das chuvas e multiplicar as áreas verdes nas cidades, além de estimular a reciclagem dos resíduos orgânicos, facilitar o acesso a alimentos frescos, tirar a monotonia da ocupação dos espaços urbanos, aumentar a relação das pessoas com os ciclos da vida, e trazer aspectos rurais para a cidade, ao manter atividades agrárias ao lado de outras características dos centros urbanos.

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Fonte: Rede Mobilizadores Coep.