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Nutricionista: Alerta em propaganda não freia obesidade
As propagandas de alimentos com quantidade elevada de açúcar, gordura saturada, gordura trans e sódio terão que apresentar alerta sobre os riscos à saúde provocados pelo consumo excessivo dessas substâncias. A determinação é da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), publicada nesta terça-feira (29), no Diário Oficial da União. O regulamento é extensivo às peças publicitárias de bebidas com baixo teor nutricional, como refrigerantes, refrescos artificiais, concentrados à base de xarope de guaraná ou groselha e chás prontos para o consumo.
As empresas têm 180 dias para se ajustar à norma, que não se aplica aos rótulos dos produtos, mas às propagandas veiculadas em rádio, TV, internet e mídias impressas. Os fabricantes de alimentos, anunciantes, agências de publicidade e veículos de comunicação que desrespeitarem a resolução estarão sujeitos a sanções, que vão de notificação a interdição e multas entre R$ 2 mil e R$ 1,5 milhão.
A Anvisa destaca que o regulamento objetiva "coibir práticas excessivas que levem o público, em especial o infantil, a padrões de consumo incompatíveis com a saúde e que violem o direito à alimentação adequada". Na teoria, a ideia é ampliar a liberdade de escolha do consumidor, oferecendo informações.
Para a presidente Conselho Federal de Nutricionistas (CFN), Rosane Nascimento, entretanto, a resolução, que é resultado de quatro anos de conversações entre Anvisa e sociedade civil, não será capaz de frear a epidemia de obesidade que vive o país, que, segundo pesquisa recente do Ministério da Saúde, já atinge 46% da população brasileira. Ela defende restrições à propaganda dos produtos - principalmente nos horários dedicados à programação infantil -, a exemplo do que acontece em relação ao cigarro e às bebidas alcoólicas. Na opinião dela, a nova norma é "frustrante" e "deixa muito a desejar diante do processo rico em que se deu a discussão".
- Temos por trás uma lógica econômica muito maior colocada do que a lógica da saúde pública. Essa resolução reflete essa relação entre o setor regulado, a questão do capital e a questão da saúde pública. Sabemos da pressão, da força, da capacidade do setor regulado de se mobilizar e ser ouvido com mais precisão do que o setor do controle social, dos profissionais, de quem lida com os efeitos dessa prática danosa à saúde da população, que é a propaganda em massa, propaganda sem regulamento.
Confira a entrevista:
Terra Magazine - Como a senhora vê a iniciativa da Anvisa? Na sua opinião, ela vai atingir o efeito esperado?
Rosane Nascimento - Acho que a resolução, em princípio, não atende ao que foi construído durante um longo período de debates entre Anvisa e a sociedade civil. Uma discussão iniciada em 2006, com várias rodadas de consultas públicas, em que diversos seguimentos envolvidos com a questão foram ouvidos. O produto final de toda essa negociação foi consolidada no ano passado. Entendemos que a resolução atende parcialmente, porque está muito distante ainda do que a gente esperava de uma resolução nesse sentido.
As expectativas de vocês foram frustradas?
Acho que deveria ser como em relação ao cigarro, à bebida alcoólica, em que os alertas na publicidade foram substituídos pelas restrições à propaganda. O principal objetivo de toda essa consulta, de toda construção do debate foi restringir a exposição do público infantil à propaganda. É exatamente sobre isso que eu pretendia falar. No texto da resolução, a Anvisa ressalta preocupação especial em relação ao público infantil, que é mais suscetível à publicidade.
Na avaliação da senhora, deveria haver restrição quanto ao horário da veiculação das propagandas?
Com certeza. Isso, inclusive, constava no nosso texto que foi consolidado na última consulta pública, e a Anvisa fez todo esse processo de escuta. É inadmissível que uma resolução saia dessa forma, a essa altura, diante dessa grande expectativa de entidades e profissionais, diante de um país que vive uma epidemia de excesso de peso e obesidade. E sabemos que esses índices não vão decrescer com um simples alerta no anúncio. Atinge parcialmente, muito parcialmente. Eu diria que a resolução é frustrante.
Qual será o posicionamento do conselho? A senhora acredita que a resolução possa ser revista, ampliada?
Sabemos que não é tão simples. Temos por trás uma lógica econômica muito maior colocada do que a lógica da saúde pública. Essa resolução reflete essa relação entre o setor regulado, a questão do capital e a questão da saúde pública. Sabemos da pressão, da força, da capacidade do setor regulado de se mobilizar e ser ouvido com mais precisão do que o setor do controle social, dos profissionais, de quem lida com os efeitos dessa prática danosa à saúde da população, que é a propaganda em massa, propaganda sem regulamento. Acreditar que somente anunciar que o produto faz mal, que tendo um rótulo...
A norma não se aplica à rotulagem dos produtos...
Digo o rótulo enquanto papel. Agora, vai ter uma inscrição, dizendo: esse produto é rico nisso ou naquilo. Não é na rotulagem que já tem. São naquelas chamadas. Vai ser assim: o produto é rico em açúcar, que pode causar cárie dentária e obesidade...
Para a senhora, somente esse tipo de alerta não tem força suficiente para sensibilizar o consumidor?
Não tem força suficiente. Olha, não estou querendo detonar com a resolução, mas se acreditássemos que a rotulagem seria impactante a ponto de alertar o público em geral, não é aquele público que procura produtos dietéticos, por exemplo, por necessidades de saúde específicas, como diabetes. Falo daquele público em geral, que está exposto ao alimento, vai consumir o alimento.
Hoje, já tem no rótulo dizendo quanto de sal aquele produto cobre durante o dia. Por exemplo: sódio, quantidade recomendada e a porcentagem que o produto cobre. Se acreditássemos que o simples alerta, por si só, seria suficiente para inibir e prevenir a obesidade epidêmica no país, a obesidade não estaria aumentando. Temos essas especificações nos rótulos desde 2000.
Todas as medidas são boas. Não estou dizendo que a resolução é de todo ruim, mas é frustrante por não impedir a veiculação dessa publicidade, especialmente, nos horários dedicados à programação infantil. É um público altamente vulnerável a essa exposição. A criança vai para o consumo automaticamente. Criança que tem acesso ao poder de compra e tende a procurar exatamente os alimentos que foram veiculados no horário em que ela estava exposta à televisão. A mídia é o quarto poder mesmo. O adulto ainda tem discernimento, ainda faz as elucubrações sobre a coisa. A resolução deixa muito a desejar diante do processo rico em que se deu a discussão.
Fonte: Terra Magazine