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Entrevista: Normas da produção artesanal devem se basear na RDC 49 da Anvisa
O Brasil acumula experiências bem-sucedidas na agricultura familiar, agroecologia, economia solidária, cooperativas de produção e comercialização regional. Alguns produtos artesanais oriundos desses pequenos empreendimentos têm qualidade amplamente reconhecida.
No entanto, essas iguarias ainda enfrentam muitas barreiras para circular no país e serem comercializados fora dos seus estados de origem, devido a exigências burocráticas como normas sanitárias de produção, de instalações, elaboração de projetos e pagamento de taxas e impostos. É uma realidade que a agricultora familiar Diva Vani Deitos, de Seara, Santa Catarina, conhece de perto.
A produtora orgânica trabalha na coordenação da Associação dos Pequenos Agricultores do Oeste Catarinense (Apaco), que atua em cerca de 50 municípios, em defesa da organização econômica e social dos agricultores familiares.
Além da atuação no estado de Santa Catarina, Diva é integrante do Grupo de Trabalho da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que discute inclusão produtiva com segurança sanitária. “Para os produtores orgânicos, muita coisa mudou para a economia solidária depois da Resolução da Diretoria Colegiada Número 49 (RDC 49/2013), da Anvisa".
Diva Vani participará, no próximo dia 20, em Brasília, da reunião plenária do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), que terá como tema “Regulação sanitária para inclusão produtiva na perspectiva da soberania e segurança alimentar e nutricional”. Veja, a seguir, a entrevista dela ao site do Consea.
Como está a situação dos pequenos agricultores do Oeste Catarinense?
Tem avançado bastante. Há até bem pouco tempo, os pequenos agricultores enfrentavam tanta burocracia para trabalhar que a maioria preferia se tornar um produtor integrado dos grandes complexos agroindustriais de carnes, de aves e suínos em nossa região. Essa não era uma situação desejável.
Por quê?
Porque eles eram quase “escravos”, recebiam muito pouco pelo que produziam. Era uma mão de obra barata demais. Essas empresas pagam, no máximo R$ 0,50 por um frango. É o preço de uma balinha. A integração é, na verdade, uma exploração. Isso sem falar em questões ambientais, já que essas empresas despejam toneladas de dejetos nos rios, sem qualquer responsabilidade.
O que tem de novo nesse cenário?
Uma das mudanças importantes é a Resolução da Diretoria Colegiada Número 49 (RDC 49/2013), publicada pela Anvisa em outubro de 2013. A norma dispõe sobre a regularização de atividade sanitárias do microempreendedor individual, do empreendimento familiar rural e do empreendimento econômico solidário.
Antes, por exemplo, as pequenas agroindústrias ficavam meses esperando uma liberação do Corpo de Bombeiros. Hoje, se a unidade familiar trabalha com derivados de vegetais e farináceos, com panificação, que são consideradas atividades de baixo risco, basta fazer o registro do estabelecimento pela internet, via anexo 10 da Resolução Nº 23/200 da Anvisa.
A Apaco trabalha diretamente com esse público, por meio de programas de agroecologia, agroindústria, de gestão, credito solidário, de certificação. As questões das normas, das leis, o que precisa para o produto chegar ao mercado. Criamos a marca Sabor Colonial, que oferece serviços ao pessoal excluído desses grandes complexos. A experiência construída por meio da Apaco resultou na Cooperativa Central Sabor Colonial.
Atualmente, atendemos a cerca de 500 famílias diretamente – e a 3 mil, indiretamente –, oferecendo capacitação, assessoria, treinamento, plano de negócios e viabilidade. Ajudamos a se reunirem em cooperativas de produção e comercialização da agricultura familiar. E eles pagam os serviços por meio delas. Hoje, existem cerca de 168 pequenas agroindústrias familiares legalizados com o rótulo Sabor Colonial. E tem mais de 100 informais. Fazemos um estudo de viabilidade econômica, para saber qual empreendimento tem condições de buscar o registro formal.
O que são produtos coloniais?
É aquilo que em muitos estados se chama de produção artesanal. Na região de Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Paraná, ela surgiu com a colonização polonesa, alemã e italiana. Em Santa Catarina, onde a Apaco atual, todo mundo aqui sabia fazer açúcar mascavo, doce de leite no tacho, uma geleia tipo chimia alemã, um salame italiano, queijos de leite cru. A gente aprendia com os bisavós, com os avós. O que a Apaco busca hoje é preservar o saber fazer dos nossos antepassados, com uma estrutura que permita a compra e a venda dos produtos da agricultura familiar.
O que a senhora acha do Selo Arte, que permitiria a venda destes produtos a outros estados?
Essa legislação é muito nova. Em tese, é uma ótima proposta para os pequenos agricultores. Mas tem a questão da regulamentação, que ainda precisará ser feita pelos estados, de acordo com a norma da Anvisa ou com a do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Porque uma lei estadual não pode contradizer uma norma federal.
Aí que é o "X" da questão. Porque vamos lembrar que a RDC 49, da Anvisa, que facilitou a vida do produtor artesanal, tem mais a ver com produtos de origem vegetal, como o melado, o açúcar mascavo, a farinha. Os de origem animal, como ovos, leite, carne e mel, ainda precisam do selo de inspeção do Ministério da Agricultura, para poderem circular livremente entre os estados do país.
Esse selo para produção animal, do Serviço de Inspeção Federal (SIF), é o mesmo exigido de grandes indústrias, inclusive de exportação. É uma legislação da década de 1950, que exige que a mercadoria seja produzida em um ambiente com 'pé direito' de três metros e meio de altura.Qual a unidade familiar que vai ter isso? Tem de ter um banheiro específico, um inspetor, um responsável técnico, que seria um veterinário. Para nós, essas regras não fazem sentido.
Já a RDC 49 não exige 'pé direito' de três metros para panificação, por exemplo. Por isso estamos defendendo que o Selo Arte seja regulamentado de acordo com a norma da Anvisa, porque se for de acordo com as regras do Mapa, não vai melhorar em nada a situação da produção artesanal e da economia solidária.
Fonte: Ascom/Consea