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Na Guatemala, conselheiro destaca importância de programas no combate à fome

publicado: 23/11/2018 17h15, última modificação: 26/11/2018 15h33
Foto: Arquivo Consea

Foto: Arquivo Consea

O Brasil construiu, ao longo de décadas, programas e projetos que foram capazes de viabilizar o combate à fome no país e de dar visibilidade ao Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan). Segundo o conselheiro Irio Conti, pesquisador e professor de Segurança Alimentar e Nutricional da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFGRS), esse foi um dos destaques da oficina de trabalho realizada pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) na Guatemala, entre 12 e 16 de novembro.

Ações robustas e consolidadas, como o Programa de Alimentação Escolar (Pnae), por exemplo, criado em 1979, geraram grande curiosidade nos participantes da oficina. “Foram feitas dezenas de perguntas sobre um e outro programa, sobre o impacto que eles causaram de fato nas questões alimentares, como um todo, e para a alteração do quadro da fome no Brasil”, relata o conselheiro, que viajou à Guatemala, a convite da FAO, para falar sobre as experiências do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea).

De volta ao Brasil, Irio Conti concedeu a seguinte entrevista ao site do Consea.

Como foi sua viagem à Guatemala?

A Guatemala tem mais em comum com o Brasil do que poderíamos supor. É um belo país, pluricultural etnicamente e religiosamente, e que também enfrenta os desafios da desigualdade, da desnutrição e fome. Assim como o Brasil, a Guatemala vem construindo processos e espaços de concertação pública entre o governo e a sociedade civil. O interesse deles era saber mais sobre o funcionamento do Consea, que diz respeito à construção de agendas com a mobilização da sociedade civil. Por isso, formos convidados pela FAO para participar da oficina.

Como está organizado o Sistema Nacional de Segurança Alimentar da Guatemala (Sinasan) e qual a diferença entre esse modelo e o adotado no Brasil?

Do ponto de vista do marco legal, o país dispõe de uma boa legislação, que data de 2005. É uma legislação bem abrangente. A estrutura está montada sobre três pilares básicos: o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Conasan); a Secretaria de Segurança Alimentar e Nutricional (Sesan) e a Instância de Consulta e Participação Social (Incopas). Além disso, há organizações apoiadoras, que são convidadas a participar do processo.

O Conasan, chefiado pelo vice-presidente da República, é constituído por conselhos de ministros e tem 17 integrantes, cinco dos quais são da sociedade civil, que provêm do Incopas. Então o conselho tem cerca de dois terços de governo e um terço de sociedade civil. Já a Sesan, que é a secretaria, tem uma atribuição forte, que é executiva. É ela que sugere e propõe as pautas do conselho. Portanto, é ela que dá o tom, em boa medida, das agendas do conselho. Já a Incopas é uma instância que se reúne quase mensalmente e trata de assuntos diversos, entre eles alguns são tratados depois no conselho. Mas não há um fluxo direto entre a agenda da Incopas e a agenda do conselho. Uma das questões que eles debatem é justamente essa relação.

Sobre as diferenças que a gente pode estabelecer entre esse sistema, a Sesan e o Incopas, e os componentes do nosso sistema aqui, os participantes da oficina de trabalho apontaram uma falta de clareza na definição do papel das três instâncias, porque a Incopas chega ao Conasan através da Sesan, o que não é o nosso caso aqui. E aí as agendas, as proposições, as demandas da Incopas, acabam sendo, de certa forma, reorganizadas de acordo com o interesse da Sesan. E algumas agendas nem chegariam a ser levadas ao Conasan.

A segunda coisa é que o Conasan se reúne formalmente mas, segundo os relatos apresentados, haveria baixa vontade política dos órgãos executores de chamar, de fato, para essa questão da participação e da intersetorialidade, para executar as ações que o conselho define. Portanto, haveria uma baixa efetividade entre definições e ações, entre o que debatido e o que é de fato executado.

Foram relatadas dificuldades financeiras para operacionalizar o sistema, de modo geral. Particularmente pela falta de programas mais robustos e também com a viabilização da [participação] da sociedade civil. Além disso, é pouco abordada a questão da intersetorialidade. Fala-se de multissetorialidade mas, ao longo da semana, percebemos que a intersetorialidade que temos no Brasil é bastante inovadora por parte do nosso sistema. A visão deles seria de uma justaposição entre os vários setores e a interssetorialidae quase não se manifesta. Além disso, o conselho deles é diferente do nosso porque é basicamente composto por órgãos governamentais, que têm mais de dois terços dos integrantes.

Além do número, eles também dominam a construção das agendas, o que redundaria em uma baixa captação dos temas levantados pela Incopas.

Qual a correlação entre o Incopas e o Consea Nacional?

Nós, sociedade civil, representamos dois terços do Consea, com um terço de representantes do governo. Nossa legislação também é mais clara nesse sentido. Lá é o inverso, o conselho deles é dois terços governo e um terço sociedade civil. E a Incopas, que seria similar ao Consea, tem uma baixa capacidade de efetividade de ação. Porque não é exatamente um espaço de concertação social com o governo, já que o governo não participa da Incopas. Ela é composta somente por entidades da sociedade civil, cujos representantes são eleitos por setores. Há dez setores na Incopas, mas nem todas as pessoas que representam esses setores são dotadas de uma representatividade temática [com a alimentação nutrição]. Algumas entidades e organizações estão bastante envolvidas e outras, nem tanto. A representação de um setor acaba sendo genérica. Por exemplo, um representante da igreja católica e um representante das igrejas evangélicas não necessariamente representam o sentimento dessas instituições, já que as próprias instituições muitas vezes têm posições distintas sobre o que fazer em relação à soberania alimentar e o direito à alimentação. Então, em alguns casos, a representatividade existe do ponto de vista político, mas não do ponto de vista temático.

Dos dez conselheiros do Incopas, somente cinco vão para o Conasan, o conselho. E eles contam que, como não têm conhecimento prévio da pauta, enfrentam dificuldade para se organizar suas intervenções no espaço do Conasan, que seria o espaço de discussão e de formulação das políticas.

Como funciona o levantamento de pautas para a agenda do conselho?

A construção da agenda da Incopas é bastante horizontal, nesse sentido bastante parecida com a do Consea. No entanto, a construção da agenda do Conasan, que é o espaço da construção da política pública, é feita de cima para baixo. Ou seja, é proposta pelo governo, por meio da Secretaria de Segurança Alimentar e Nutricional. Então, o Incopas toma conhecimento das agendas no dia da reunião do Conasan e tenta incidir sobre elas no dia da reunião. Sintetizando, não podemos comparar Incopas com o Consea. Seria mais razoável comparar o Consea com o Conasan, que é o conselho deles.

Quais as contribuições apresentadas pelo Consea?

Houve muito interesse em relação à nossa apresentação geral sobre a experiência brasileira, com destaque à articulação conceitual que já construímos entre segurança alimentar e nutricional, direito humano à alimentação e soberania alimentar. Essa articulação conceitual expressa uma harmonia, uma unidade de visão e que perpassa o conjunto das gestões, como um ponto importante, além do marco legal que temos, já bastante avançado e construído. Enquanto nós discutimos essa questão geral, abrangente, o foco deles é bastante localizado na questão nutricional. O encontro considerou a necessidade de haver uma visão mais abrangente por parte deles para apropriação dessa questão.

O ponto bem destacado mesmo foi a quantidade de programas que exatamente ajudaram a visibilizar nosso sistema, como um todo. Houve várias perguntas sobre um programa e outro, sobre a robustez desses programas e o impacto que eles causaram de fato na alteração nas questões alimentares como um todo e para a alteração do quadro da fome no Brasil.

Outro ponto que importante foi a nossa contribuição para a organização interna deles. Eles têm uma organização interna muito boa, mas até o momento não tinham avançado muito nas questões de regulamentar, organizar os procedimentos internos, os fluxos, as relações, os papeis, as atribuições dos membros e do próprio Incopas. Então, a partilha da nossa experiência foi interessante porque contribuiu para iluminar o caminho. Não para transmitir como eles devem fazer as coisas, mas como podem fazer algumas adaptações, formas de organização para facilitar tanto a clareza procedimental interna como os fluxos internos dos procedimentos que eles adotam.

Isso foi bem interessante e um debate muito prático, operacional, já procurando desdobrar ações. E frequentemente eles diziam “a experiência brasileira nos ajuda para isso. A experiência brasileira nos ajuda sobre aquilo”. Por exemplo, sobre a construção de agenda. Como é a nossa construção de agenda, foi uma experiência muito rica compartilhada. Sobre como nós fazemos os procedimentos internos para a eleição dos conselheiros e conselheiras.

Fonte: Ascom/Consea