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Encontro 5ª+2: “É preciso desafiar a construção da desigualdade”

publicado: 06/03/2018 16h35, última modificação: 07/03/2018 11h02
Imagem: Ascom/Consea

Imagem: Ascom/Consea

No Brasil, a concentração de renda, do patrimônio e dos serviços essenciais chega a níveis extremos – inclusive na questão do acesso à terra, o que afeta também a segurança alimentar e nutricional da sociedade. É o que afirma a socióloga Kátia Maia, diretora da Oxfam Brasil. Ela participou, nesta terça-feira (6), do painel Expressões da Desigualdade, realizado durante o Encontro 5ª + 2, em Brasília.

Mas ela destaca: “A desigualdade não cai de paraquedas do céu, não é enviada pelos deuses. Ela é construída, especialmente a desigualdade extrema, de acordo com determinados interesses. Então, da mesma forma que é construída, pode ser desconstruída. Por isso a responsabilidade de cada cidadã e cidadão é muito importante na sociedade. É preciso enfrentar e desafiar a construção da desigualdade, buscar soluções conjuntas”.  

Veja, a seguir, a entrevista concedida por Kátia Maia ao site do Consea:

A senhora abordou hoje uma importante pesquisa realizada pela Oxfam, sobre percepções dos brasileiros acerca das desigualdades no país. Como esse cenário afeta a segurança alimentar e nutricional?

O relatório fala sobre o acesso à terra, o que tem tudo a ver com a segurança alimentar. Constatamos que esse acesso é vital para que haja uma produção sustentável de alimentos. E as mesmas restrições que afetam aspectos econômicos e políticos, se repetem quando se trata da terra. A maior parte está nas mãos de poucos, que podem definir a forma de produção como querem.  

Quais os prejuízos disso?

Os grandes proprietários, acima de mil hectares, têm mais da metade da terra brasileira. Não estamos falando que todo mundo tem de ser igual. Mas tanta concentração vai gerando uma desigualdade extrema. O simples fato de poucos terem muito já significa que muitos não vão ter nada. É nesse momento que o fato de poucos concentrarem tanta riqueza resulta na maioria não ter direitos básicos resolvidos. Porque muito dessa riqueza é construída por políticas que beneficiam um pequeno grupo de pessoas. É uma roda que vai girando dos mesmo para os mesmos indivíduos.  

Como reverter esse quadro?

É importante que as políticas públicas, sejam elas de segurança alimentar ou não, sejam propostas que pensem no conjunto da sociedade. Quando você examina os recursos que vão para a agricultura, está tudo concentrado nas mãos de poucos. Esse é o principal desafio quando se fala em desigualdade no Brasil. Estamos construindo um país cada vez mais concentrado, no que diz respeito aos bens e acesso à riqueza.

Tal fato ocorre apenas no Brasil?

Não, mas quando se compara com Europa ou mesmo os Estados Unidos há dois aspectos que eu gostaria de destacar. Primeiramente, é que a concentração está ocorrendo também nestas regiões. Nos Estados Unidos, hoje, as três pessoas mais ricas detêm riqueza correspondente à soma de toda a população mais pobre. Isso também ocorre em alguns países da Europa, onde há alguma concentração de riqueza, como a Inglaterra e a Itália. Porém, os mais pobres de lá são muito diferentes dos mais pobres que vemos aqui. Nestes países o nível de desigualdade é menor entre a sociedade do que a verificada na América Latina e África. Não temos aqui uma base distributiva que nos permita afirmar que todo mundo aqui tem acesso ao básico, ao mínimo necessário, e então há segmentos que podem ganhar dinheiro à vontade. Não temos essas questões resolvidas aqui ainda.

Qual a comparação entre o nível de vida de uma pessoa de baixa renda na Europa e EUA e no Brasil?

Não disponho dos dados precisos neste momento, mas diria com certeza que uma pessoa pobre na Europa tem acesso à uma boa educação pública, à saúde pública, à moradia e tem um seguro-desemprego. Todos os serviços sociais estão ali funcionando. Um pobre aqui não tem uma saúde pública com recursos suficientes para lhe atender, apesar de eu ressaltar que o SUS é uma importante conquista da sociedade brasileira. Sem falar na decadência das escolas públicas, que já foram muito boas no passado e que têm um enorme potencial, mas não são prioridade em termos de investimos. A prioridade é o setor privado.

Na Europa há um Estado de bem-estar maior para o conjunto da sociedade. E, mesmo nos Estados Unidos, onde o racismo ainda é significativo, todos têm saneamento básico, por exemplo. Já aqui, entre os % mais pobres, apenas 24% têm acesso a saneamento básico, à água. Isso é inexplicável, principalmente porque a maioria da população já está em áreas urbanas. O que só revela a forma precária como estão sendo construídas as cidades.

A senhora falou que o Congresso é majoritariamente de homens brancos. Como mudar esse perfil de quem decide a vida do país, a fim de que as demandas cheguem ao parlamento?

Não existe uma lógica fácil no processo de construção política do país. O mecanismo eleitora é importante. Este é um ano eleitoral, por exemplo, onde teremos uma nova oportunidade para isso. Mas é preciso ter mobilização da sociedade, das comunidades, das associações para buscar candidatas e candidatos que expressem mais os interesses do conjunto da sociedade e não apenas de alguns grupos. Cada setor deve continuar batalhando para fazer uma mudança no perfil que temos atualmente no Congresso Nacional. No entanto, algumas pesquisas afirmam que a maioria dos parlamentares que estão lá hoje deve ser reeleita. Esse é um desafio grande para a sociedade. Como é que a gente diz tanto que quer mudar e acaba reelegendo as mesmas pessoas? Acho que temos de levar em consideração, neste aspecto, o poder econômico, o poder da mídia etc. É preciso democratizar o acesso a esses recursos para que outras pessoas também possam chegar ao poder.

Outro ponto: a desigualdade não é uma coisa que caiu de paraquedas do céu, enviada pelos deuses. Não. A desigualdade, especialmente a desigualdade extrema, ela é construída, obedecendo a determinados interesses. Então, da mesma forma que ela é construída, pode ser desconstruída. Por isso a responsabilidade de cada cidadã e cidadão é muito importante na construção da sociedade. É preciso enfrentar e desafiar a construção da desigualdade, buscar soluções conjuntas para isso. 

(Entrevista: Ivana Diniz Machado)

Fonte: Ascom/Consea

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