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“Quilombola não tem terra. Se o território for demarcado, ninguém vai mexer com a gente”

publicado: 21/02/2018 15h22, última modificação: 21/02/2018 16h02
Para Damiana, a maior dificuldade que o Povoado Gameleira tem é a forma de vida, uma vez que a renda dele depende da agricultura. Imagem: rede social

Para Damiana, a maior dificuldade que o Povoado Gameleira tem é a forma de vida, uma vez que a renda dele depende da agricultura. Imagem: rede social

O site do Consea está realizando uma série de entrevistas com representantes dos segmentos da sociedade civil que participarão do Encontro Nacional 5ª+2, de 6 a 8 de março, em Brasília.

O evento visa fazer um balanço das propostas apresentadas na 5a Conferência Nacional Segurança Alimentar e Nutricional, realizada na capital federal em novembro de 2015.

Liderança do povoado Gameleira, localizada no município de Olho d'Água das Flores, no sertão de Alagoas, Damiana de Souza representará na 5ª+2 as comunidades tradicionais quilombolas.

Como é a vida no povoado Gameleira?

A gente planta feijão, milho, mandioca, aipim. Algumas pessoas costumam cultivar hortas, como hortaliças, verduras. Então o básico a gente consegue manter. Mas existem as dificuldades.

Quais são as maiores dificuldades?

A maior dificuldade que a gente tem, sinceramente, é a nossa forma de vida. Isso porque a renda que temos é da agricultura, e ela é bem básica. Vivemos com pouquíssimo. Não temos projetos que gerem emprego e renda para a nossa comunidade. Estamos tentando construir uma casa de farinha para gerar meio de renda, mas não temos a terra pra construir. Há um pedaço de terra aqui que pertence à prefeitura. Para que a gente use, seria preciso autorização. Não conseguimos. Estamos de mãos atadas em relação a isso.

Como é a alimentação das pessoas da comunidade Gameleira?

Nossa alimentação é a básica do brasileiro: arroz, feijão... Arroz a gente não tem como plantar, então damos um jeito de comprar. Às vezes recebemos uma ajuda da parte do governo, uma pequena cesta, mas ela atrasa bastante. Então a gente vai se virando. No mais, tiramos da agricultura.

Que políticas públicas deveriam ser incentivadas?

A gente trabalha com PAA [Programa de Aquisição de Alimentos], mas não são todas as pessoas. Têm aquelas que fazem parte do Pnae [Programa Nacional de Alimentação Escolar], mas elas ficam na cidade e não aqui na comunidade.

Como se dá o acesso à água, tendo em vista que o povoado Gameleira está localizado no sertão de Alagoas, onde chove pouco?

Faltava água mesmo era quando não tínhamos encanamento. Dependíamos de um pequeno chafariz, era um sofrimento e tanto. A gente tinha de carregar água no balde. Mas foram construídas cisternas para sete famílias, que foram selecionadas. Isso facilitou muito porque podemos armazenar a água. Acredito que poderiam ter construído mais, já que temos por volta de cem famílias vivendo no povoado.

E a questão do acesso à terra?

Nós só temos um documento como associação. Certa vez, sem a nossa autorização, instalaram um lixão aqui bem próximo das casas. Isso incomodava bastante. Mas brigamos e conseguimos tirar isso [o lixão] daqui.

Como viu a decisão do STF, que rejeitou ação que questionava a constitucionalidade do decreto que regulamenta a demarcação e titulação de terras quilombolas no país?

Achei interessante porque, afinal, quilombola não tem terra. Se o território for demarcado, ficamos seguros de que ninguém vai mexer com a gente.

Qual sua expectativa para o Encontro 5ª+2?

Desejo ver mudanças e tentar trazer conhecimentos para melhoria da minha comunidade. Vou tentar reivindicar o que for melhor.

Entrevista: Francicarlos Diniz, com Nathan Victor (estagiário)

Fonte: Ascom/Consea