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“É preciso facilitar o acesso a alimentos saudáveis e tributar os ruins”
"No Brasil, a obesidade é subsidiada. A indústria recebe muito dinheiro e incentiva a compra de refrigerantes, sucos em pó e bebidas açucaradas em geral”. A afirmação é da socióloga e diretora geral da Aliança do Controle do Tabagismo, Álcool, Alimentação Saudável e Atividade Física (ACT), Paula Johns, que defende a tributação sobre as bebidas açucaradas como um meio de fazer os consumidores comprarem menos esses produtos.
O preço doce das bebidas açucaradas vem sendo questionado pela socióloga, que é mestre em Estudos de Desenvolvimento Internacional pela Universidade de Roskilde, na Dinamarca. Ela garante: “Vivemos uma epidemia de obesidade no Brasil. E não é preciso provar o óbvio. O aumento do preço diminuiria o consumo das bebidas açucaradas”.
Paula ainda critica a publicidade de bebidas artificiais especialmente para público infantil. Segundo ela, os pais não podem ser responsabilizados porque toda a família está exposta a ambientes obesogênicos. “O poder econômico domina o consumidor e inviabiliza que a gente aplique tributação sobre esses produtos açucarados,” explica a pesquisadora.
A importância de medidas regulatórias que garantam direitos e promovam a saúde será discutida na próxima plenária do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), que será realizada no dia 11 de abril, em Brasília.
Confira a entrevista:
Há uma proposta de tributação de bebidas açucaradas. Como ela funcionaria na prática?
Nosso objetivo é chegar a um preço mais alto para o consumidor final. Mas o que acontece hoje no Brasil é que as indústrias recebem subsídios e incentivos à produção desses produtos. Por mais que se aumente o IPI [Imposto sobre Produtos Industrializados], o problema vai continuar. Então, antes de dar uma receita de bolo, de como uma eventual tributação iria funcionar, é importante perceber o agravante de que a produção de bebidas açucaradas é incentivada financeiramente. Por isso, não sabemos citar ainda um percentual de tributação, já que há vários caminhos possíveis. Estamos num momento de mapeamento para construir qual será a melhor estratégia. No Brasil, a obesidade é subsidiada. Mas não precisa provar o óbvio: o aumento do preço diminuiria o consumo dessas bebidas açucaradas. A Receita Federal está ciente desse problema e vem tentando resolver isso com processos administrativos há alguns anos mas sem sucesso, devido à questão política e à pressão dos parlamentares que representam o setor industrial.
Seria o mesmo que aconteceu com o tabaco?
Nós temos dados de que, dentro do conjunto de medidas de redução do tabagismo, a maior delas foi quando se mexeu no preço. As outras iniciativas atingiam pessoas com maior nível de escolaridade e não chegavam a maior parte da população brasileira, que é de baixa renda. Acreditamos que assim será também na questão da tributação sobre as bebidas açucaradas.
Outros países já alcançaram resultados positivos com a tributação desse tipo de produto?
Tivemos resultados positivos no México, em alguns municípios dos Estados Unidos, e a Inglaterra já vem discutindo isso. Então já há uma onda de debates nesse sentido.
A indústria se defende dizendo não ser responsável pelos altos índices de obesidade da população e argumenta que o consumidor será prejudicado com o aumento do preço desses produtos. Para os especialistas em segurança alimentar, isso não é verdade. Por quê?
O poder econômico vem dominando o cenário e inviabilizando que a gente encontre uma solução para esse problema, criou uma epidemia de obesidade no país. A indústria exime-se da responsabilidade dela. Mas o que a gente quer é que elas paguem maiores impostos. Às vezes, eles reclamam por já pagarem 40% em impostos. Mas nada é cobrado diretamente sobre as bebidas açucaradas, na verdade, ela não paga nada sobre elas. São apenas impostos que qualquer empresa paga. Subsidia-se a obesidade ao permitir que um setor que tem um impacto tão grande na saúde receba incentivo para a sua produção.
Considerando o impacto negativo que o consumo desses produtos gera na saúde pública, seria o caso de regular também a publicidade de refrigerantes e sucos industrializados?
Sim, sem dúvidas. Às vezes a gente coloca o problema como uma responsabilidade individual, ou no caso da publicidade infantil, como responsabilidade dos pais, mas muitas vezes os pais estão inseridos num ambiente social absolutamente obesogênico. A publicidade apela para os piores produtos que existem no mercado. Mas já existem propostas em tramitação no Congresso Nacional para coibir isso.
A proibição da venda de refrigerantes em refil, em que o consumidor se serve livremente, entra na agenda regulatória?
É preciso proibir isso. Certo dia estava no aeroporto e fui comprar comida. Lá, eles ofereciam um combo: comida e refrigerante. Eu rejeitei, e disse que queria a refeição com água, mas me falaram que não podia. Há todo um estímulo para se tomar refrigerante, inclusive encarecendo o consumo de água.
Além da tributação de bebidas açucaradas, que outras medidas regulatórias podem ser tomadas para reduzir os índices de obesidade e doenças crônicas no país?
Na agenda regulatória, há áreas temáticas. Uma delas é a do ambiente escolar, em que precisam existir cantinas saudáveis, dentro de um programa de alimentação escolar. Há escolas em que isso funciona, mas há outras que oferecem péssimos produtos, como biscoitos recheados e as bebidas artificiais.
O Ministério da Saúde avançou com a portaria dos sistemas alimentares saudáveis dentro do próprio governo. Mas ainda há o marketing e a propaganda que precisam ser restritos. Também é importante falar da rotulagem que vem sendo estudada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A gente espera que seja adotado um modelo de advertência baseado nas novas evidências científicas.
Entrevista: Nathan Victor (estagiário), com supervisão de Beatriz Evaristo
Fonte: Ascom/Consea