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“Alimentação saudável é um direito, não um privilégio”
A cineasta e presidenta da Associação Profissionais do Audiovisual Negro (Apan), Viviane Ferreira, participou na manhã desta terça-feira (6) do Painel Expressão da Desigualdade, durante o Encontro Nacional 5ª+2, em Brasília.
Diretora do curta-metragem “O dia de Jerusa”, exibido no Festival de Cinema de Cannes, na França, Viviane falou ao site do Consea sobre a necessidade de o Estado brasileiro implantar políticas reparatórias de redução de desigualdades.
“É preciso ter bem claro o que são políticas públicas de Estado e o que são políticas de governo, para não perdermos a conexão com o que é mais importante, que é a justiça democrática”, ressalta ela. A seguir, a entrevista.
De que forma a desigualdade social por gênero e raça influencia na segurança alimentar da população negra?
O acesso a uma alimentação saudável e segura é preciso ser visto como um direito e não como um privilégio. A maior parte da população deste país, que é negra e é feminina, é apartada dos seus direitos por causa do racismo e do sexismo, e isso compromete a segurança alimentar dessas pessoas.
Os veículos de comunicação contribuem para a reprodução do modelo de exclusão racial?
À medida que o audiovisual e qualquer campo artístico reitera estereótipos e discursos simbólicos e imagéticos prejudiciais à subjetividade das pessoas negras, isso contribui para reforçar essa apartação das pessoas.
Você nasceu na periferia de Salvador, na Bahia. Quando os negros baianos estarão do lado de dentro da corda que demarca a exclusão social?
Em Salvador, as experiências raciais são bem tensas. Eu me lembro do período em que, ao voltar da escola, sempre passava pela região do Pelourinho e era comum que alguns turistas, brancos, ficassem tirando fotos minhas apenas pelo fato de, na visão deles, um corpo negro estar sempre disponível para essa exposição. Eu não tinha paciência com isso. Quebrei muitas câmeras fotográficas no Pelourinho simplesmente porque o portador da câmera acreditava que podia fazer isso [fotografar] sem a minha autorização.
Mesmo sendo a maioria da população, os negros e pardos não são protagonistas nas novelas e praticamente estão ausentes da publicidade brasileira. Até quando isso vai perdurar?
Eu olho sob a perspectiva do que está acontecendo com o capitalismo, que precisa se reformar. E isso implica na apropriação de discursos de uma militância, se aproveitando das pautas e das bandeiras de movimentos diversos para lucrar com isso. Mas essa apropriação pode ser feita de uma maneira positiva, como é o caso do filme Pantera Negra, que permite trazer reflexões mais críticas sobre o cotidiano dos negros. Isso pode significar um avanço da nossa batalha narrativa.
Como as políticas de ações afirmativas podem contribuir para a redução das desigualdades raciais?
Discutir as políticas de ações afirmativas não é tão fácil nem tão simples, porque corremos o risco de estar diante de políticas que se dizem afirmativas, mas que são só engodos para reiterar o lugar de meritocracia e de tantas outras questões. As ações afirmativas são centrais nos tensionamentos entre o sistema capitalista e os movimentos sociais não capitalistas. Algumas dessas políticas a gente sabe que vêm de uma perspectiva liberal, mas a depender de como são implementadas, elas de fato produzem um lugar de avanço das populações mais marginalizadas, sobretudo se a gente pensar num recorte de gênero e de raça. Para isso, é preciso ter bem claro o que são políticas públicas de Estado e o que são políticas de governo, para não perdermos a conexão com o que é mais importante, que é a justiça democrática.
Entrevista: Francicarlos Diniz
Fonte: Ascom/Consea