Notícias
“A regulação da publicidade infantil é absolutamente necessária”
“A publicidade é indutora do consumo e as crianças são um dos alvos dela. Os alimentos estão entre os produtos mais direcionados pela publicidade às crianças. A regulação da publicidade infantil é absolutamente necessária, mas tem que ser assegurada a sua efetividade, o que não pode ser alcançado somente pela atuação do Estado, que tem pouca efetividade fiscalizatória”.
A avaliação é de Adalberto Pasqualotto, professor de Direito do Consumidor, que participou nesta quarta (11), da plenária do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), onde realizou palestra sobre o tema “Agenda regulatória e sua relação com a garantia de direitos”.
Na entrevista para o site do Consea, Pasqualotto falou também sobre as propostas de revisão da rotulagem de alimentos e de taxação de tributo adicional sobre bebidas açucaradas. “O Estado tem o dever de desenvolver políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças. Está comprovado que o excesso de açúcar é prejudicial à saúde, o governo não pode deixar de agir”.
As medidas regulatórias são o melhor caminho para a melhoria dos hábitos alimentares dos brasileiros?
As medidas regulatórias constituem um caminho mais imediato. A longo prazo, é preciso investir em educação para o consumo, o que é muito negligenciado no Brasil. Isso começa na escola, mas as medidas educativas devem atingir as famílias e serem propagadas massivamente.
Qual a sua avaliação sobre a proposta de aplicação de um tributo adicional de 20% sobre as bebidas açucaradas para desestimular o consumo do produto?
Medidas tributárias ou extrafiscais têm eficácia variável, conforme o setor a que são aplicadas. Funcionam bem em produtos como o tabaco, porque o produto não encontra substitutivo. Já no caso de bebidas adoçadas há outras variáveis a considerar. Uma delas é a tendência a que o varejo, incluindo restaurantes e supermercados, resista a repassar o aumento de preço aos consumidores, com receio de perder demanda. Portanto, a efetividade pode ser menor.
Diversos países já implementaram a sobretaxação das bebidas adicionadas de açúcar. Se implantada no Brasil, a medida não pode ser uma forma de reduzir os casos de doenças relacionadas ao alto consumo de açúcar?
Medidas extrafiscais indutoras da redução de consumo sempre são uma política lembrada nesses casos. Há alguns exemplos em outros países. O México implementou, em 2013, um aumento de impostos sobre produtos com elevados teores de açúcar. Verificou-se uma redução de consumo de aproximadamente 12%, o que ficou abaixo da expectativa, mas é um resultado importante. Além da redução do consumo, há outro efeito paralelo, que é a conscientização provocada pelo impacto da medida e pelo debate na sociedade em torno do assunto. O exemplo mais recente é o da Inglaterra, que sobretaxou bebidas adoçadas em 2016. A aplicação de uma medida dessa natureza no Brasil seria oportuna, sem dúvida.
Essa sobretaxação não poderia ser vista como uma intervenção do governo para aumentar a arrecadação de tributos? Como estimular o apoio do consumidor a essa proposta num momento econômico tão delicado?
Essa controvérsia poderia ser evitada se a arrecadação extra decorrente da sobretaxa fosse destinada integralmente a uma finalidade social relevante, como, por exemplo, ao orçamento do SUS [Sistema Único de Saúde] ou à educação pública. Há um projeto de lei na Câmara Federal que institui uma Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), destinando toda a arrecadação para atividades de educação alimentar e práticas desportivas.
A indústria de refrigerantes e de bebidas açucaradas argumenta que o consumidor tem o direito de fazer suas escolhas livremente, sem a interferência do Estado. Como o senhor avalia essa questão?
Esse argumento é retórico. Segundo a Constituição, o Estado tem o dever de desenvolver políticas sociais e econômicas que visem a redução do risco de doenças. Na medida em que está comprovado que o excesso de açúcar é prejudicial à saúde, o governo não pode deixar de agir. Por outro lado, a Constituição impõe às atividades econômicas a finalidade de assegurar a todos existência digna. Um dos princípios da ordem econômica na Constituição é a defesa do consumidor, e o primeiro direito básico dos consumidores é a proteção contra produtos perigosos ou nocivos à saúde.
Como vê a proposta de regulação da publicidade infantil?
A publicidade é indutora do consumo e as crianças são um dos alvos preferenciais da publicidade. Os alimentos estão entre os produtos mais direcionados pela publicidade às crianças. A regulação da publicidade infantil é absolutamente necessária, mas tem que ser assegurada a sua efetividade, o que não pode ser alcançado somente pela atuação do Estado, que tem pouca efetividade fiscalizatória. O ideal seria um sistema de corregulação, envolvendo a atuação de um órgão com densa representatividade social, encarregado de estabelecer as regras a partir do que dispõe a lei.
Qual sua avaliação sobre a proposta de revisão da rotulagem de alimentos, que prevê o uso de triângulos pretos sinalizando a presença de sódio, açúcar, gordura?
Sou plenamente a favor, porque torna a informação ao público mais clara. De preferência, deveria ser adotada providência semelhante à lei chilena, que impede a publicidade de produtos considerados nocivos de modo automático, como efeito direto da nocividade do produto.
Como vê a atuação do Consea no debate da agenda regulatória e da garantia dos direitos humanos à alimentação adequada?
O Consea tem um papel fundamental em um país como o Brasil, que ainda luta para erradicar a pobreza e a subnutrição. Um dos seus pontos altos é a composição do seu conselho, composto de dois terços de representantes da sociedade civil. Uma regulação adequada deve ter essa base de legitimidade social.
Entrevista: Francicarlos Diniz
Fonte: Ascom/Consea