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Semana da Mulher: mobilização e defesa da igualdade

publicado: 30/03/2017 17h28, última modificação: 29/06/2017 12h39

“A invisibilidade do trabalho da mulher do campo é um dos entraves para que se tenha estrutura de apoio”. A afirmação é de Sandra Marli, líder do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC) ― que tem assento no Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) ―, ao destacar a falta de valorização e de reconhecimento do papel que as mulheres têm na promoção da segurança alimentar e nutricional. Para ela, é preciso consolidar políticas públicas que reconheçam de fato a atuação das mulheres do campo, possibilitando a elas autonomia econômica e também sobre suas próprias vidas. “Falta crédito para as mulheres desenvolverem as experiências de produção de alimentos saudáveis com os princípios da agroecologia, faltam equipamentos no campo, como creches para as crianças permanecerem durante o tempo que as mães trabalham, faltam delegacias da mulher e atendimento especializado para as mulheres vitimas de violência, que muitas vezes se submetem a uma vida de violência pela dependência econômica”, enumera Sandra.

A mulher tem sido considerada por entidades internacionais, como a ONU, como a principal responsável pelo conhecimento sobre nutrição, cultivo e preparação de alimentos tradicionais. Como você avalia a atuação da mulher hoje no campo no repasse desses conhecimentos às novas gerações? 
Sandra Marli: As mulheres que estão inseridas em organizações e movimentos sociais do campo, como o Movimento de Mulheres Camponesas, têm a compreensão da importância desses conhecimentos. No MMC, buscamos, de forma organizada, proporcionar momentos de partilha de saberes entre as diferentes gerações que compõem a base do movimento. Desenvolvemos atividades práticas nas quais esses conhecimentos são socializados, visando manter viva a sabedoria tradicional acumulada pelas mulheres ao longo da história. É importante considerar que esse conhecimento que as mulheres têm sobre a preservação, conservação e multiplicação de sementes, nutrição, produção e preparo dos alimentos não é algo natural do ser mulher, ou seja, não nasceu com a mulher, mas é fruto do processo histórico da sociedade que condicionou as mulheres ao espaço dos cuidados e da reprodução, enquanto aos homens era direcionado o espaço considerado da produção. 

Existe alguma estrutura de apoio e suporte para elas nesse sentido?
Sandra Marli: Existe uma deficiência muito grande nesse sentido. A invisibilidade do trabalho da mulher do campo é um dos entraves para que se tenha estrutura de apoio. Alguns exemplos dessa inexistência de apoio: falta crédito para as mulheres desenvolverem as experiências de produção de alimentos saudáveis com os princípios da agroecologia ― essa é uma pauta do MMC desde que lançamos a Campanha Nacional pela Produção de Alimentos Saudáveis (CNPAS), em março de 2007. Faltam também equipamentos no campo, como creches para as crianças permanecerem durante o tempo que as mães trabalham. Faltam delegacias da mulher, ou de atendimento especializado para as mulheres vitimas de violência, que muitas vezes se submetem a uma vida de violência pela dependência econômica.

Como é a sua atuação nesta área, em particular? 
Sandra Marli: A minha atuação se dá junto às mulheres camponesas e ao MMC, buscando trabalhar a práxis no cotidiano da produção de alimentos saudáveis, na construção de uma nova forma de se relacionar entre as pessoas e com o ambiente onde vivemos. Buscamos socializar com as mulheres e com as organizações sociais os conhecimentos da prática da produção agroecológica, a militância no movimento e os espaços de formação existentes. 

Políticas públicas, como o Bolsa Família e o Minha Casa, Minha Vida, têm valorizado a mulher como gestora de recursos que devem ser repassados às famílias. Depois de alguns anos dessas experiências, como você avalia a situação da mulher no Brasil, especialmente no campo?
Sandra Marli: As políticas e programas citados foram e são de fundamental importância para que as mulheres conquistem autonomia econômica e têm um elemento pedagógico muito importante. Essas políticas contribuíram para melhorar a qualidade de vida das famílias. São mecanismos importantes no que se refere à transferência de renda. A discriminação e opressão contra mulheres são duas das várias faces do sistema capitalista e da cultura patriarcal. Para acabar com qualquer tipo de opressão é preciso desconstruir essa cultura que "coisifica" as mulheres. É preciso lutar por equidade e reconstruir relações de respeito e de igualdade.

Quando se olha o perfil de entidades sindicais, partidos políticos e outros movimentos coletivos percebe-se que a presença de mulheres ainda é minoria, com algumas poucas exceções. Por que as mulheres ainda têm dificuldade de se mobilizarem e participarem da vida democrática do país? 
Sandra Marli: As entidades e organizações também sofrem os efeitos dessa cultura, ou seja, são construtoras e reproduzem a cultura patriarcal que define os espaços considerados dos homens e outros espaços considerados das mulheres. Cientes dessa realidade, muitas organizações buscam formas de romper com essa lógica e com essa cultura.

E como atrair mais mulheres para os movimentos sociais?
Sandra Marli: É necessário construir processos, não é de uma hora para outra que as mulheres vão se construir como sujeitas da própria história, que vão assumir espaços de liderança e maior participação política e social. Esse é o desafio para a classe trabalhadora.

Fonte: Ascom/Consea