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“Há uma grande resistência do poder público em atender o movimento negro e quilombola”, diz presidente do Consea Maranhão
“Se por um lado a Losan [Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional] caracteriza os povos e comunidades tradicionais como prioritários nas políticas de alimentação, por outro, eles praticamente não aparecem, e isso fica só no papel.” A avaliação é de Reinaldo Santos Avelar, presidente do Conselho Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional do Maranhão e integrante da Associação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Aconeruq).
Reinaldo participou nesta quarta-feira (29) da mesa inaugural da 5ª Reunião Plenária do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), que teve como tema “Racismo Institucional, Terra e Território”.
Na entrevista abaixo, Reinaldo, que é quilombola no município de Guimarães (MA), afirma que algumas políticas públicas não são pensadas de acordo com os costumes alimentares específicos de cada comunidade. “Nós, os quilombolas, a população negra, os povos indígenas, lutamos para que a nossa cultura, o nosso povo alcance os seus direitos”, ressalta.
Como se caracteriza o racismo institucional?
Este racismo se caracteriza basicamente quando os povos e comunidades tradicionais deixam de ser atendidos nas suas reivindicações nas políticas públicas, e quando deixam de ser incluídos nessas políticas públicas. É quando as instituições que devem atender simplesmente desaparecem, sem qualquer tipo de esclarecimento para essas populações.
Esse racismo está muito presente no seu estado?
O Maranhão não está fora do contexto dos outros estados. No meu estado isso ainda é muito forte. Embora exista o movimento negro e o movimento quilombola atuantes, você encontra uma resistência muito grande do poder público em atender essa população, ou seja, há um poder público que não entende que essa população existe.
De que forma o racismo institucional impacta a segurança alimentar e nutricional das comunidades negras e quilombolas?
Quando os povos e comunidades tradicionais têm pleiteada sua representação nas instâncias de deliberação dos conselhos, passam praticamente como invisíveis. Portanto, isso para nós é um meio de racismo institucional. Se esses povos não estiverem dentro dessas instâncias, não há como eles reivindicarem a questão das políticas públicas, no nosso caso, relacionadas à segurança alimentar. A Losan caracteriza os povos e comunidades tradicionais como prioritários, no entanto eles praticamente não aparecem, e isso fica só no papel. A 5ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional legitimou isso ― propostas que garantam a participação da sociedade civil. Se a gente não trabalhar por essa representação, o racismo institucional continuará instalado.
Como a Justiça vem atuando na questão?
O Judiciário é o nosso grande gargalo. Aqui é onde está mais patente o racismo institucional, já que nós os negros nem sequer conseguimos acessar esse Poder. Isso porque geralmente as decisões são desfavoráveis aos povos e comunidades tradicionais, contra os quilombolas, povos de terreiro. Mesmo sofrendo ataques, batemos à porta da Justiça e não somos atendidos. O mesmo acontece com os povos indígenas e as quebradeiras de coco, por exemplo. No Maranhão temos uma ação de retirada de cercas dos campos da baixada que atingem diretamente quilombolas, ribeirinhos e pescadores, mas a justiça simplesmente barrou.
Como você avalia as ações afirmativas?
Hoje as ações afirmativas são fundamentais. A gente sempre lutou por isso e os grupos trabalham fortemente nessa questão. Nós, os quilombolas, a população negra, os povos indígenas, lutamos para que a nossa cultura, o nosso povo alcance os seus direitos. Há um ataque grosseiro de técnicos que querem colocar dentro dessas comunidades uma cultura alimentar que não é a delas. Isso parte do Estado em todas as suas instâncias, inclusive quando vão ser assistidos. Dou o exemplo da ação emergencial de cestas de alimentos. Essas cestas não são pensadas para os povos de acordo com seus costumes alimentares.
Como o Consea pode atuar no combate ao racismo institucional?
Acredito que o Consea está dando um passo fundamental no combate ao racismo institucional. Trazer esse tema ligado à terra e ao território para a pauta é um avanço que estamos dando. Parabenizo o Conselho por acatar essa proposta da Comissão de Presidentes de Conseas Estaduais e da Comissão Permanente de Segurança Alimentar e Nutricional de Populações Negras e Povos e Comunidades Tradicionais.
Entrevista: estagiário Nathan Victor, com supervisão de Francicarlos Diniz
Fonte: Ascom/Consea