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“Brasil precisa avançar na revisão das normas de rotulagem de alimentos”, diz conselheira
“O Brasil ainda está muito atrasado em relação à revisão das normas de rotulagem, principalmente rotulagem nutricional. Na América Latina vários países avançaram muito rapidamente nesse tema, no sentido de ter informação na frase frontal da embalagem, de forma precisa e fácil de entender”. A constatação é da nutricionista e conselheira do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) Ana Paula Bortoletto.
Outro tema de preocupação de Ana Paula é o acordo voluntário entre o Ministério da Saúde e a Associação Brasileira de Indústria de Alimentos (Abia), que prevê a redução do volume de sódio dos produtos industrializados. “Por ter caráter voluntário, não haverá nenhum tipo de punição para as empresas que mantiverem o valor do sódio mais alto, o que fragiliza ainda mais esse tipo de iniciativa”, diz a conselheira. Para ela, o debate sobre o acordo poderia ter sido mais abrangente, com a participação de mais segmentos da sociedade.
Ana Paula destaca a importância do Consea no acompanhamento do tema junto ao Ministério da Saúde. “Como espaço de diálogo entre o governo e a sociedade civil, o conselho deve acompanhar o cumprimento desses acordos, inclusive sensibilizando outras empresas do setor que não estão inseridas entre as associações de maior porte”.
Na entrevista abaixo, a representante do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) no Consea comenta também o projeto de lei que visa proibir a venda de refrigerantes em escolas públicas e particulares e a proibição da publicidade de alimentos para as crianças.
- Como você avalia o acordo que o Ministério da Saúde e a Associação Brasileira de Indústria de Alimentos formalizaram no mês passado e que prevê a redução do sódio da alimentação dos brasileiros?
Essa estratégia de ter acordo voluntário não é a mais efetiva. Não haverá nenhum tipo de punição para as empresas que mantiverem o valor do sódio mais alto, o que fragiliza ainda mais esse tipo de iniciativa. O processo de construção desses acordos é muito restrito em relação à participação social, o que resulta em metas muito tímidas. Na prática, não traz redução no consumo de sódio e acaba sendo usada muito mais como estratégia das grandes indústria de alimentos ultraprocessados, para serem vistas como empresas responsáveis e que se preocupam com a saúde do consumidor.
- E em relação à redução do açúcar? Como o tema tem evoluído?
O tema tem evoluído devagar, me parece que vai ocorrer a mesma coisa que houve no caso da proposta de redução de sódio. O Ministério da Saúde tem feitos algumas reuniões com representantes das associações da indústria de alimentos, com a participação do Idec em algumas delas. Esses eventos, entretanto, são mais para colocar discussões mais amplas, apresentar as dificuldades alegadas pelas empresas para a redução de açúcar. Não existe de fato um processo de participação em relação à construção do acordo e ao monitoramento e cumprimento das metas pactuadas. O Consea tem uma grande importância no acompanhamento desse assunto junto ao Ministério da Saúde, cobrando a ampliação da discussão e a participação social.
- A Comissão de Constituição, Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados deverá votar o projeto de lei 1755, que visa proibir a venda de refrigerantes em escolas públicas e particulares do 1º ao 9º ano. Como você analisa a proposta?
É um projeto interessante porque traz a ideia de proteger o ambiente escolar em relação à alimentação saudável. A ideia de proibir a venda de refrigerante nas escolas é uma estratégia que é recomendada pela Organização Mundial da Saúde. Evidências científicas demostram que é necessário facilitar as escolhas alimentares mais saudáveis. A ideia é que a oferta de alimentos saudáveis, minimamente processados, como frutas, comida de verdade, tem que ser mais fácil, atrativa, mais barata para que as crianças e adolescentes nas escolas possam fazer escolhas mais saudáveis. Enquanto houver esse marketing agressivo nas escolas estimulando o consumo de alimentos ultraprocessados dificilmente haverá mudança dos hábitos alimentares. O número de crianças e adolescentes com doenças crônicas vem aumentando na população brasileira, com muitos casos de obesidade, com diabetes e pressão alta, colesterol alto em pessoas cada vez mais jovens. A ideia é que essa proibição não se limite apenas aos refrigerantes, mas também bebidas açucaradas, que são produtos que estão associadas ao aumento do consumo de açúcar na forma líquida, que demora muito para o organismo reconhecer que está consumindo essas calorias, estimulando o consumo excessivo e despercebido de calorias. É um produto que precisa ter um acesso mais restrito. Não estamos falando da proibição de venda em todos os lugares, que restrinja o direito de escolha, mas apenas de proteger o ambiente escolar, onde as crianças e adolescentes passam a maior parte do seu tempo em relação aos ambientes com consumo desse tipo de bebida. Algumas grandes empresas de bebidas açucaradas já demonstraram preocupação com isso, no ano passado, declarando que não iriam mais vender bebida açucarada em escolas com crianças menores de 12 anos. Mas é preciso lembrar que essa também é uma medida de caráter voluntário, então, na prática, se o cantineiro quiser comercializar bebida açucarada, ele poderá fazer isso. Nas escolas mistas, que têm crianças abaixo e acima de 12 anos, esse tipo de autorregulação, que já é frouxa, fica ainda mais difícil de ser cumprida.
- Como está o Brasil em relação a outros países que regulamentam as regras de rotulagem de alimentos?
O Brasil ainda está muito atrasado em relação à revisão das normas de rotulagem, principalmente rotulagem nutricional. Na América Latina vários países avançaram muito rapidamente nesse tema, no sentido de ter informação na frase frontal da embalagem, de forma precisa e fácil de entender. O Chile é o melhor exemplo, que adotou na parte frontal das embalagens mensagens claras de advertência em relação a nutrientes que estão associados a doenças crônicas, como açúcar, gordura e sódio. Já existem vários estudos mostrando que a população está conseguindo compreender melhor as informações, trazendo grande impacto no sentido de facilitar escolhas mais saudáveis. O Uruguai também já está discutindo a adoção da rotulagem frontal. O Equador já tem rotulagem frontal, que destaca o conteúdo alto, médio ou alto de nutrientes e essa informação é destacada nas cores vermelho, amarela e verde. O México, entretanto, é um país que ainda não conseguiu avançar em relação à rotulagem mais clara, mas vem buscando alternativas. No Brasil, a Anvisa acionou um grupo de trabalho, após recomendação do Consea, de 2013, para revisar a rotulagem nutricional. Esse grupo se reuniu por dois anos e discutiu quais eram as limitações da rotulagem nutricional atual e quais eram as possibilidades de melhoria, tanto a rotulagem frontal quanto a rotulagem nutricional. O grupo já encaminhou as propostas de melhorias para a Anvisa. A expectativa é que neste segundo semestre a Anvisa apresente uma proposta de revisão de rotulagem nutricional, incluindo rotulagem frontal. O ministro da Saúde [Ricardo Barros] já declarou que gosta do modelo adotado pelo Chile e que o Brasil precisa avançar
- E como está a questão da regulamentação da proibição da publicidade de alimentos para crianças?
O Brasil já tem uma lei federal, o Código de Defesa do Consumidor, que, desde 1990, considera abusiva qualquer tipo de publicidade que se aproveite da deficiência de julgamento da criança. O desafio é que essa lei seja cumprida, pois foram poucas as punições para casos considerados como abusivos. Felizmente, em 2016, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tomou uma decisão histórica em relação a punir uma empresa pela prática de publicidade infantil abusiva, inclusive com venda casada de produtos. Em 2017 mais uma empresa foi punida pelo STJ pela prática de publicidade infantil abusiva. A resolução 163/2014 do Conanda [Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente] também contribuiu para fortalecer o cumprimento do Código de Defesa do Consumidor, porque detalha quais os tipos de publicidade abusivas. O Consea tem um papel muito importante nesse processo de discussão e sensibilização junto ao Poder Judiciário e ao Poder Legislativo.
Entrevista: Francicarlos Diniz
Fonte: Ascom/Consea