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Ekaterine Karageorgiadis: dieta saudável se aprende na escola

publicado: 29/04/2015 13h51, última modificação: 29/06/2017 14h03

Por Revista Época

A escola deve ser um lugar de promoção de hábitos saudáveis, inclusive os alimentares. Em entrevista ao Prêmio Jovem Cientista, a advogada do Instituto Alana e conselheira do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), Ekaterine Karageorgiadis, fala sobre a oferta de alimentos saudáveis nas instituições de ensino e os perigos de se permitir a publicidade de alimentos dentro do ambiente escolar.

A alimentação das crianças nas escolas, em geral, não é saudável. As cantinas vendem alimentos industrializados e com alto teor de gordura, sal e açúcar. Há alguma lei responsável pela regulação da alimentação oferecida nas escolas?
Ekaterine Karageorgiadis – 
Para se ter uma ideia da relevância desse tema, a Consumers International, que reúne 240 entidades de defesa do consumidor do mundo inteiro, entre elas o Instituto Alana, lançou este ano uma campanha para comemorar o dia do consumidor, celebrado em 15 de março, cujo tema são as dietas saudáveis. Entre os destaques da campanha está a oferta de alimentos saudáveis nas escolas, que vem sendo objeto de leis em diversos países, como Chile, Peru e Uruguai. No Brasil, dois aspectos devem ser abordados. O primeiro é o da alimentação escolar fornecida nas escolas públicas, e o outro é a venda de alimentos em cantinas de escolas públicas e particulares.

O Brasil tem uma política nacional de alimentação escolar que é referência para vários países. O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) tem foco na valorização de uma alimentação adequada, tanto sob o aspecto nutricional quanto socioambiental e culturalalém de ser uma importante ferramenta para a educação alimentar. Valoriza o preparo de refeições utilizando alimentos naturais, provenientes da agricultura familiar, que respeitem a diversidade de culturas alimentares do país e as necessidades alimentares específicas dos estudantes.

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É interessante notar a mudança histórica no objetivo da alimentação escolar. No início, quase 50 anos atrás, o intuito era diminuir as altas taxas de desnutrição infantil no país. Hoje, o principal desafio é reverter o crescimento das taxas de obesidade. Segundo dados da FAO do ano passado, o Brasil saiu do mapa da fomeIsso não significa que o problema da desnutrição esteja completamente sanado e que não tenhamos pessoas abaixo do peso e da estatura ideal. Mas, a saída do mapa da fome indica que o percentual da população nessa situação é menor que 5%. Nossas preocupações se voltam agora para as pessoas obesas. Mais de 50% da população adulta está acima do peso. Entre crianças de 5 a 9 anos, há 30% com excesso de pesoDados de pesquisas recentes revelam que 2,4% do PIB do Brasil (100 bilhões de reais) são gastos com as consequências da obesidade, seja tratamento médico ou perda de produtividade no trabalho.

Uma alimentação escolar de qualidade, portanto, contribui para a melhoria da saúde dos estudantes, que vêm apresentando cada vez mais cedo doenças como diabetes, pressão alta e complicações renais. Por isso, a política prevê uma restrição na aquisição de alimentos enlatados, embutidos, doces, preparações semiprontas ou prontas para o consumo e valoriza a aquisição de alimentos preparados na própria escola, com proporções adequadas de calorias e nutrientes.

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Todas as escolas da rede pública participam do PNAE?
Ekaterine – 
O PNAE é um repasse de verba federal para estados e municípios que aderem ao sistema. Logo, é preciso que a política estadual e municipal também esteja sintonizada com a promoção de uma alimentação adequada e saudável para os estudantes. E, nessa seara, há uma diversidade muito grande de políticas e legislações municipais, que precisam estar atentas à promoção do direito humano à alimentação adequada, estabelecido em nossa Constituição Federal.

Aí entra o segundo ponto, o das cantinas escolares. No sistema público de ensino, há duas situações principais: escolas que permitem cantinas que vendem produtos e escolas que proíbem cantinas e oferecem merenda. Nas escolas do município de São Paulo, por exemplo, não há cantinas. Já nas escolas do estado de São Paulo são autorizadas cantinas, e cada escola decide se terá ou não.

As cantinas levam para as escolas muitos produtos ultraprocessados, considerados não saudáveis, pelo excesso de sódio, gorduras, açúcar e baixo valor nutricional – como refrigerantes, biscoitos e salgadinhos, além dos salgados fritos, doces etc. E, sendo um ponto de venda, podem veicular também estratégias publicitárias, como cartazes e ofertas, que chamam atenção para os produtos comercializados.

Algumas já começam a oferecer opções saudáveis, mas é preciso saber como os estudantes aceitam essas opções, diante daquelas tradicionalmente conhecidas. Para impulsionar esse processo, o Ministério da Saúde publicou em 2010 um Manual das Cantinas Escolares Saudáveis, direcionado aos donos de cantinas, com orientações sobre boas práticas alimentares.

Como a publicidade infantil de alimentos está presente nas escolas?
Ekaterine – 
A publicidade infantil é aquela que fala diretamente com a criança, valendo-se de elementos próximos do seu universo, como personagens, celebridades e inglês, para seduzi-la para o consumo de determinado produto ou serviço, desrespeitando o seu especial processo de desenvolvimento. Ela está presente em vários lugares frequentados por crianças, como televisão, internet, parques, centros comerciais e nas escolas também. Cada vez mais as empresas se valem de um modelo transmídia para se comunicar com a criança: o comercial passa na televisão, que traz um link para a internet e é levado para a escola por meio de shows, ações promocionais, venda direta, presença nos livros didáticos, marcas em uniformes, patrocínio em ações esportivas dentro de escola.

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O grande problema dessas ações é que elas acontecem, em alguns casos, como se fossem atividades educativas, e envolvem toda a comunidade escolar. Ou seja, fica difícil distinguir uma ação educativa sobre alimentação saudável que leva as crianças a experimentar novos ingredientes, de outra que leva as crianças a terem contato com marcas e produtos, como uma estratégia publicitária. Além disso, no caso de escolas públicas, envolve parcerias público-privadas, em que as empresas suprem uma ausência de recursos com a possibilidade de colocar os símbolos de sua marca em contato com as crianças.

Por que a empresa quer entrar na escola? Cabe a ela educar? Ou são os educadores escolhidos pelos responsáveis pelas crianças que têm esse papel? As respostas a essas perguntas revelam que os interesses das empresas em entrar no ambiente escolar é comercial, não educativo. Muitas vezes os pais desconhecem que seus filhos foram expostos a ações publicitárias dentro da escola, que deve ser um ambiente de proteção, cuidado e acolhimento da criança. Passam a saber quando a criança chega pedindo o produto. A marca faz da criança uma promotora de vendas e a fideliza como consumidora.

E como impedir que as empresas façam publicidade nas escolas?
Ekaterine – 
A publicidade em escolas infringe a legislação que protege os direitos das crianças e dos consumidores. Desde 1988, a Constituição Federal assegura a prioridade absoluta dos direitos da criança. Desde 1990, o Código de Defesa do Consumidor determina a abusividade da publicidade que se aproveita da deficiência de julgamento e experiência da criança, reforçando que seja preservado o melhor interesse da criança estabelecido no Estatuto da Criança e do Adolescente, também de 1990. No ano passado, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) editou a Resolução 163, que expressamente trata da abusividade da publicidade dentro de creches e instituições escolares de educação infantil e fundamental, encaminhada pelo Ministério da Educação para todas as secretarias estaduais e municipais. O problema é mundial e todos nós precisamos atuar para que as crianças não sejam inseridas, tão cedo, nessa engrenagem do consumismo. Uma das consequências é a obesidade infantil, além do consumismo, uso precoce de álcool e outras drogas e estresse familiar, por exemplo.

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Como as escolas podem contribuir para o desenvolvimento dos hábitos alimentares saudáveis?
Ekaterine –
 Uma vez escutei um relato de uma creche que teve mudanças significativas na aceitação de alimentos por bebês quando deixou de colocá-los em cadeirões um ao lado do outro, sendo alimentados por um adulto, em série, para colocá-los sentados a mesas adaptadas para seu tamanho, em que eles podiam estar juntos, se ver, pegar a comida com a mão, experimentar. Já escutei casos de excesso de peso de criança associados ao número de refeições servidas, e, por outro lado, à pouca atividade física, o que inclui não só a aula de educação física como o tempo de recreio. Ou de livros didáticos com informações positivas sobre o “junk food”. Enfim, são inúmeros os relatos sobre a relação entre a escola e a alimentação. Afinal, é o segundo lugar de socialização da criança, depois da família. É um espaço importante para o desenvolvimento da autonomia das crianças.

As escolas podem trabalhar em várias frentes. É essencial que as crianças tenham uma visão ampla sobre todo o sistema alimentar, e o Guia Alimentar para a População Brasileira (clique aqui) , recentemente lançado, é uma ferramenta importante que poderia ser mais utilizada pelas escolas. Para ser um agente de mudança, a escola deve envolver toda a comunidade: crianças, funcionários, famílias, vizinhos, empresas fornecedores. Precisa ter um espaço adequado para a alimentação; preocupar-se com a qualidade das refeições; promover ações de educação alimentar muito além da sala de aula e estar atenta ao impacto do consumismo a que as crianças estão expostas.

Fonte: Revista Época