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Superar a mercantilização para garantir segurança alimentar adequada e saudável - Francisco Menezes

publicado: 31/10/2014 12h13, última modificação: 29/06/2017 14h23

Por Revista IHU On-Line

“Se a segurança alimentar e nutricional no Brasil alcançou avanços significativos, com políticas públicas que permitiram o acesso aos alimentos para grupos sociais mais vulneráveis, não podemos festejar melhoras na forma como parte da alimentação é produzida, dentro de uma perspectiva mercantil, voltada para o lucro e sem a preocupação de uma alimentação adequada e saudável. Nesse ponto, ainda há muito o que avançar”, defende o economista Francisco Menezes.

Em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, Menezes comenta as alternativas para a “mcdonaldização” dos alimentos — como o movimento Slow Food, o papel e a atuação do agronegócio na busca por novos e crescentes nichos de mercado. Relaciona também o próprio papel do consumidor em exigir do mercado alimentos de qualidade.

Francisco Menezes é graduado em Economia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro - UERJ, e tem pós-graduação em Desenvolvimento Agrícola pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro - UFRRJ. Atualmente é pesquisador do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase).

Confira a entrevista:

IHU On-Line - Com a globalização da alimentação, com produtos industrializados e fast foods se popularizando no mundo inteiro, percebemos uma padronização da dieta com uma alta predominância dos mesmos ingredientes (milho, soja, arroz, etc.). Que tipo de prejuízos sofremos, tanto do ponto de vista nutricional quanto dos cultivos agrícolas, a partir desta homogeneização da produção alimentícia?

Francisco Menezes – Um elemento determinante para uma alimentação saudável e nutricionalmente adequada é a diversidade. É o melhor caminho para garantir o acesso ao conjunto mais completo de componentes necessários para uma boa alimentação. Restringir-se a poucos ingredientes vai acarretar, invariavelmente, insuficiências nutricionais. Ao lado disso, decorre nos cultivos agrícolas uma perda de toda a diversidade de espécies, trazendo riscos grandes de escassez de alimentos, frente a imprevistos que a atividade agrícola sempre carrega, como problemas climáticos, de pragas, etc. Acrescente-se, ainda, outro tipo de prejuízo, frente à cultura alimentar, que no caso de nosso país é riquíssima.

IHU On-Line - Na indústria alimentícia, em nome da alta produtividade, existem exemplos de extremos, como a crueldade com os animais, abuso no uso de inseticidas e pesticidas, utilização de transgênicos experimentais ou mesmo a exploração de mão de obra escrava. Qual é a realidade brasileira em relação a estes aspectos?

Francisco Menezes – Se a segurança alimentar e nutricional no Brasil alcançou avanços significativos, com políticas públicas que permitiram o acesso aos alimentos para grupos sociais mais vulneráveis, não podemos festejar melhoras na forma como parte da alimentação é produzida — dentro de uma perspectiva mercantil, voltada para o lucro e sem a preocupação de uma alimentação adequada e saudável. Nesse ponto, ainda há muito o que avançar.

 

IHU On-Line – Por outro lado, nos últimos anos, a indústria tem investido também em soluções opostas, em geral para agregar valor ao alimento, entre as quais a produção orgânica ou agroecológica e o abate humanizado. Do ponto de vista do consumidor, não é um contrassenso pagar mais por soluções que, na verdade, deveriam constituir a norma na produção agrícola?

Francisco Menezes – Mesmo dentro de uma perspectiva que toma o alimento como mera mercadoria, ocorrerá a preocupação com o que é mais aceito pelos consumidores, sobretudo aqueles com maior poder aquisitivo. Daí que assistimos,

IHU On-Line – A agricultura familiar ainda é responsável pela maior parte dos alimentos consumidos pelos brasileiros?

Francisco Menezes – Provavelmente, sim, mas sou de opinião que não devemos nos fixar nos 70% identificado a quase dez anos. Devemos considerar a velocidade com que o agronegócio avança na produção agropecuária.

IHU On-Line – Qual é a relação entre esta participação da agricultura familiar na mesa dos brasileiros e os hábitos de consumo contemporâneos? Que ameaças isso apresenta a uma alimentação saudável?

Francisco Menezes – A agricultura familiar está diretamente associada à produção de alimentos in natura. O padrão de alimentos industrializados, assim, não se alinha com a agricultura familiar e se constitui em uma permanente e crescente ameaça.

 

IHU On-Line – A qualidade desta alimentação representa riscos para a saúde humana?

Francisco Menezes – Sim, e ao mesmo tempo que conseguimos reduzir os problemas de carências calórico-proteicas, surgiram de forma muito ameaçadora os problemas de sobrepeso e obesidade.

 

IHU On-Line – Deseja acrescentar mais alguma coisa?

Francisco Menezes - As dificuldades e desafios que hoje se apresentam não devem nos paralisar. A ampliação de nosso conhecimento e interesse se constitui em uma possibilidade muito concreta de revertermos atuais tendências, em um contexto de ampla participação social nessas políticas.

Fonte: Revista IHU On-Line