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Entrevista: “A invasão da alimentação da cidade para dentro da aldeia”
Formada em Pedagogia, Maria da Conceição Feitosa prefere ser chamada pelo nome que carrega na luta pelos povos indígenas: Ceiça Pitaguary. Aos 34 anos, Ceiça é coordenadora do departamento de mulheres indígenas da Associação dos Povos Indígenas do Nordeste (Apoine) edefende os direitos dos povos indígenas da região onde vive, no Ceará. O povo Pitaguary habita os municípios de Maracanaú e Pacatuba (CE). A estimativa da Funai (2010) é de que a população da etnia Pitaguary seja de 3.700 índios.
Como está a questão da segurança alimentar na sua comunidade?
A gente sempre discute esse tema atrelado à regularização fundiária dos territórios indígenas. Nós tínhamos uma variedade de alimentação de raízes, de batatas, de plantas medicinais que hoje nós não temos. O tema segurança alimentar é muito importante e os movimentos indígenas estão se debruçando sobre ele porque está tendo uma completa invasão da alimentação que é consumida na cidade pra dentro das aldeias e que nós não temos controle sobre ela. O nosso organismo indígena é diferenciado e acaba se viciando rápido em refrigerantes, em sanduíches...E acaba que tem índice alarmante de indígenas obesas.
No dia a dia, o que você percebe que mais mudou na alimentação?
Refrigerante na mesa. Você percebe dentro da aldeia a venda desses produtos: refrigerantes, sucos enlatados. Aí, você deixa de coletar a fruta pra fazer um suco, deixa de tomar os chás tradicionais e isso dá uma mudança radical na alimentação dos indígenas e acaba que passa para as gerações futuras. Elas não conhecem mais o gosto da alimentação que nós tínhamos antigamente. E conhecendo o gosto da alimentação de hoje, elas jamais vão se acostumar com o gosto da alimentação de antigamente.
O que é preciso ser feito para recuperar a alimentação tradicional?
Precisa de um enfrentamento do movimento indígena, dos povos indígenas, das comunidades e das famílias indígenas a esse modelo que está posto e que está cada vez mais adentrando as terras indígenas. Precisa que o governo também se sensibilize e se conscientize de que tem que demarcar os territórios indígenas.
Não se fala mais tanto em terras indígenas e se fala em território. Como explicar essa diferença?
A terra é apenas aquele tamanho fixado. O território a gente abrange não só o elemento terra. A gente abrange água, nascentes, áreas de rituais. Abrange a pessoa humana que está ali. Então, território é tudo que nós temos, que nós usamos e que é necessário para nossa sobrevivência.