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Dica de leitura: No País do Racismo Institucional
“Tenho um cargo comissionado, na Fundação de Cultura, no governo do Estado. Quando fui entregar minha documentação, uma mulher olhou para mim e falou algo como 'Por que é que lhe deram esse cargo? Que sorte, hein?'. Me incomodou porque percebi que ela julgou minha aparência. Tempos depois, fui passar pela entrada reservada apenas aos funcionários e o segurança fez uma cara quando eu disse que trabalhava lá. Falou: 'Não, você não é da casa. Pode dar a volta.' Chorei de tanta raiva”.
Na semana em que se celebra o Dia Nacional da Consciência Negra (a data 20 de novembro foi escolhida por coincidir com o dia atribuído à morte de Zumbi dos Palmares, em 1695), a seção Leitura do Mês traz a resenha do livro “No País do Racismo Institucional - Dez anos de ações do GT Racismo no MP-PE”, onde está registrado o depoimento acima, feito pela cantora pernambucana Isaar França.
Publicada em 2013, com 180 páginas e vasta bibliografia de consulta (54 referências), a obra relata a trajetória de atuação do Grupo de Trabalho de Combate ao Racismo do Ministério Público de Pernambuco – GT Racismo.
O objetivo do trabalho, segundo a autora Fabiana Moraes, é compartilhar esta experiência de enfrentamento ao racismo, partindo de dentro para fora da instituição.
Surgido na década de 1960, por meio do Movimento Negro Norte-americano, o termo Racismo Institucional foi cunhado com o intuito de ampliar o conceito clássico de racismo, levando-o para além do escopo limitado do indivíduo. A partir dessa amplitude conceitual, a experiência do MP-PE busca provocar as instituições no sentido de se repensarem diante de sua seletividade racial em relação a indivíduos e grupos, seletividade essa que se reflete na demarcação de espaços e privilégios que desafiam o mito da democracia racial brasileira.
Dividida em cinco capítulos ― entre levantamentos históricos, pesquisas de dados estatísticos e mapeamento de trabalhos acadêmicos ―, a publicação aborda as relações entre racismo institucionalizado, justiça, políticas de Estado, saúde da população negra, terras quilombolas e terreiros, no sentido também de ampliar o olhar sobre as políticas públicas de segurança alimentar e nutricional dessas comunidades.
“A garantia do direito à propriedade das terras ocupadas pelas comunidades quilombolas decorre do fato de ser a terra elemento fundamental para sua manutenção. É dela retirada a fonte de renda e sustento dos quilombos rurais; foi nela que estabeleceram suas residências quando alijados dos centros urbanos para as áreas então ditas periféricas; foi nela enfim que se formaram os vínculos socioculturais que permitiram suas existências até os dias atuais”, ressalta a publicação.
“A discriminação, o ódio, a intolerância e a violência são atitudes que devem ser repudiadas pela sociedade, em nome do respeito à dignidade humana”, avalia o procurador de Justiça do Ministério Público de Pernambuco, Aguinaldo Fenelon de Barros. “Estamos trilhando o caminho certo, na medida em que reconhecemos o preconceito que existe e resiste na sociedade, um racismo silencioso que agora vem sendo enfrentado com ações afirmativas”, diz ele no documento. “Ninguém é melhor que ninguém por causa da cor da pele”.
Isaar França, a cantora pernambucana cujo relato inicia este texto, ratifica. “Cheguei a ser contra o regime de cotas, mas hoje percebo que não dá pra esperar melhoras no ensino público. A dor, quando é muito grande, precisa sim de um paliativo. Porque as pessoas precisam parar de achar que ser negro é um castigo, que a África ou o Haiti são amaldiçoados. Conviver com negros em discussões é importante para a sociedade. E os negros também precisam saber que essa possibilidade existe. Para combater o racismo é preciso sair da defensiva, também”.
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Texto: Francicarlos Diniz
Fonte: Ascom/Consea