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Políticas públicas não chegam até os indígenas, afirma conselheiro
“Os processos de demarcação das terras indígenas são muito demorados. No caso do nosso Povo Tapeba, por exemplo, o processo teve início em 1983 e só foi publicada a portaria de identificação em 1993, mas, em 1997, o processo foi para o Superior Tribunal de Justiça (STJ). Conseguimos, enfim, a demarcação, mas foram 35 anos de espera”.
A afirmação é de Antonio Ricardo Domingos da Costa (“Dourado Tapeba”), indígena e integrante do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea). Vice-coordenador da Apoinme (Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo) e líder do Povo Tapeba, na região de Caucaia (CE), na entrevista a seguir, Dourado diz que o racismo institucional representa uma falta de respeito das instituições com as comunidades tradicionais, povos de terreiro e com os povos indígenas. “O racismo institucional influencia muito quando se fala na cultura alimentar”, destaca ele.
Direitos
Na minha cidade, muitas vezes cheguei para reivindicar meus direitos na questão da saúde e educação, e os gestores evitavam me receber e me mandavam procurar a Funai [Fundação Nacional do Índio] ou a Funasa [Fundação Nacional de Saúde]. Ou seja, o próprio poder público comete esse racismo. Eles acham que a gente tem preguiça de produzir, mas não olham para a dificuldade de recursos financeiros que temos para plantar e comprar outros produtos excedentes para o nosso dia a dia.
Justiça
Pelo menos uma vitória a gente teve no Maranhão, onde a Justiça e o Ibama derrubaram uma madeireira clandestina. Mas os processos de demarcação são muito demorados. No caso do nosso povo Tapeba, por exemplo, o processo teve início em 1983, e só foi publicada a portaria de identificação em 1993. Mas, em 1997, um prefeito da região entrou com um mandado de segurança STJ e o processo de demarcação voltou para a estaca zero. Depois disso, retomamos, com a ajuda de vários órgãos e com maior segurança jurídica, e conseguimos fazer a demarcação. Mas foram 35 anos de espera!
Racismo institucional
O racismo institucional se caracteriza como uma falta de respeito das instituições com as comunidades tradicionais, povos de terreiro e nós, os povos indígenas. As empresas fazem empreendimentos nas nossas áreas sem consulta prévia e nossos direitos não são respeitados. Nos estados que não têm parceria com a Funai a dificuldade é maior. Dou o exemplo da carteira indígena, que, quando foi lançada, melhorou muito nossa situação na questão da segurança alimentar e nutricional. Mas, infelizmente, esse programa acabou e não foi substituído. As políticas públicas não chegam para nós.
Cultura alimentar
O racismo institucional influencia muito quando se fala na cultura alimentar. Mexe nas nossas roças, isso porque a gente precisa fazer um poço profundo para as áreas irrigadas. No Nordeste, por exemplo, onde a seca predomina, já pedimos ajuda dos governos locais para cavar poços, mas não conseguimos. É difícil para conseguir água até para consumo humano.
Atuação do Consea
O Conselho é uma entidade de controle social que tem trabalhado muito na defesa dos povos indígenas e dos menos favorecidos como um todo. Mas, infelizmente, as recomendações do órgão não são respondidas positivamente. É preciso mudar ou criar algumas leis para que se facilite a entrada de políticas públicas nas terras indígenas. O Consea pode apoiar também projetos de lei que possam legalizar e fortalecer organizações indígenas, para que elas possam executar projetos em nível municipal, estadual ou federal. É importante a união de todos os parceiros para a nossa grande luta em defesa da soberania alimentar, contra o racismo e contra qualquer outra forma de preconceito.
Entrevista: Estagiário Nathan Victor, com supervisão de Francicarlos Diniz
Fonte: Ascom/Consea